Arquivo do mês: julho 2008

Chorinhos e Chorões revivendo Recital de João Pedro Borges

foto: Pedro Araújo

João Pedro Borges é um dos mais respeitados violonistas do Brasil. Maranhense de São Luís, como Turíbio Santos, por aqui ficou conhecido como “Sinhô”. Aliás, o Maranhão tem sido terra fértil para produção de grandes violonistas. Sem muito esforço de memória, podemos lembrar três nomes assim do primeiríssimo time: Turíbio Santos, o próprio João Pedro e Joaquim Santos.

Os dois últimos, integraram a “Camerata Carioca” de Radamés Gnatalli nos anos 70 e 80. Grupo que resignificou o fazer chorístico no Brasil. Depois da Camerata Carioca, o Choro nunca mais foi o mesmo. Hoje, depois de rodarem o Brasil e o mundo em grandes apresentações, gravações e recitais, João Pedro e Joaquim moram em São Luís e continuam contribuindo ativamente na formação de novos instrumentistas.

Há exatos sete anos o violonista João Pedro Borges apresentou no teatro Arthur Azevedo o concerto “Recital de música Brasileira”. Foi um dos mais belos espetáculos musicais que já tive o prazer de presenciar naquela casa. Foram duas noites – 28 e 29 de julho de 2001 – da mais refinada música brasileira instrumental e cantada.
Participaram daquele momento como convidados o violonista Celson Mendes, que além de instrumentista é um grande agitador cultural; Paulo Trabulsi, um dos mais completos cavaquinhistas que conheço, integrante do Regional Tira Teima; o percussionista Lázaro Pereira, o Lazico, pesquisador e mestre da cultura popular e um dos mais cadenciados pandeiristas do Maranhão; além da grande cantora Célia Maria, dona de uma voz e presença de palco incomuns. Ela protagonizou alguns dos mais belos momentos daquele espetáculo.
Na época pra anunciar este espetáculo fiz duas coisas. Preparei um Chorinhos e Chorões especial e escrevi, acho que no Jornal Pequeno, um singelo texto falando antecipadamente do dito Recital. Pensei em republicá-lo aqui, mas depois percebí que ficaria deslocado.
Passados aí estes sete anos, tive acesso, através do próprio João Pedro Borges, à parte do áudio do grande espetáculo. Foram registros feitos pelo cavaquinhista Paulo Trabulsi de alguns principais momentos das duas noites de concerto. Uma espécie de compilação sonora das apresentações.
Resolvi então, considerando a qualidade do registro e o valor histórico e artístico daquele momento para nossa música, apresentar grande parte desse material no Chorinhos e Chorões do próximo domingo, às nove horas da manhã na rádio Universidade fm. São momentos memoráveis de talento, arte, música e brasilidade.
Salve João Pedro Borges, um “Sinhô” Violão.

De volta à postagem, falando de música do Maranhão

Depois de duas semanas nos preparativos para a chegada de João Manoel e, ainda, com o computador doméstico combalido, fiquei impossibilitado de alimentar este espaço com “novidades”.

Hoje, portanto, um belo sábado de sol brilhante, dia de Clube do Choro Recebe, antes de ir ao hospital ver o nosso mais novo chorão, vou deixar aqui uma pequena contribuição.

Dia 30 de janeiro de 2007, foi publicado no suplemento Guesa Errante do Jornal Pequeno, um artigo que escrevi sobre a nossa festejada Música Popular do Maranhão. Claro, não é um texto festivo, mas levanta questões, aponta algumas contradições, observa condicionantes políticos, históricos e culturais que determinaram o caráter do nosso fazer musical. Mas não esgota o tema. É apenas uma pequenina contribuição nesse caldeirão fervilhante da nossa produção musical e política. Vamos botar lenha na fogueira.

Nesta postagem, para facilitar a leitura, suprimimos as notas de rodapé. Mantivemos, entretanto, as referências bibliográficas, no sentido de sermos fiéis às idéias e conceitos que alimentaram nossa singela reflexão. Vamos ao texto:

DA MPM AO SOM DO MARÁ, ENQUANTO NÃO CAI O VÉU:
O sebastianismo na música popular do Maranhão

por Ricarte Almeida Santos

A música popular do Maranhão, enquanto fenômeno e bem cultural imaterial, pode suscitar diferentes reflexões. Desde sua natureza, suas origens, os diferentes elementos culturais que participaram de sua construção e dos que ainda participam; da sua relação com as manifestações da cultura popular, naquilo que elas influenciam no seu estilo, na sua estética; das estratégias que os músicos e agentes culturais ligados à produção musical maranhense constroem para produção e divulgação dessa música; até mesmo da sua relação com o estado, enquanto estrutura de poder.

Enfim, temos um amplo espectro de investigação, reflexão e debate, ante esse fenômeno cultural, que desperta tanto interesse e que tem demandado investimentos públicos e privados de significativa monta, que é a música popular no Maranhão.

No entanto, em um simples artigo como este, temos que estabelecer um recorte mais restrito, embora essas diferentes dimensões, se cruzem, se relacionem de maneira complementar.
Tomemos por base duas concepções. Uma de ordem conceitual, e outra de caráter histórico-conceitual. Na primeira, optamos por compreender a música popular do Maranhão, enquanto fenômeno cultural, sustentado em Thompson e seu conceito de cultura como construção de significados, que incorpora as dimensões do simbólico e dos contextos e processos sócio-históricos.

“Os fenômenos culturais (…) devem ser entendidos como formas simbólicas em contextos estruturados. (…) Mas estas formas simbólicas estão também inseridas em contextos e processos sócio-históricos específicos, dentro dos quais, são produzidas, transmitidas e recebidas. (…) (THOMPSON, 2000, p.181).

Em segundo lugar, partindo desse pressuposto conceitual, recorremos a um artigo de Ananias Martins, no qual ele aponta um traço marcante da mentalidade maranhense, como herança lusitana, que é, mesmo na decadência ou no declínio, manter a fé na redenção de um passado glorioso. É o que Martins evoca como característica do sebastianismo.

Esse traço mítico, levantado por Martins, na mentalidade do maranhense, dialoga com a importância, defendida por Alexandre Corrêa em artigo sobre as Políticas do Patrimônio e da Memória de Centro Histórico de São Luís, do papel que os mitos exercem no pensamento dos indivíduos e das sociedades.
“De fato, nas sociedades humanas, e na vida mental dos indivíduos, percebe-se que os conflitos dramatizados pelos mitos simbolizam efetivamente processos profundos do inconsciente social e coletivo” (CORRÊA, 2006, p. 71).

No caso do Maranhão não são poucos os fatos e/ou momentos históricos que apontam um passado glorioso a ser restaurado no futuro, pois as nossas virtudes, belezas e mistérios, acredita-se que, por alguma providência, em algumas hora, se revestirão novamente em glória. (MARTINS, 2000). Esse caráter da mentalidade maranhense, herança do sebastianismo lusitano, determina comportamentos coletivos e individuais da espera por dias melhores, ou do retorno de dias melhores.

“Mas o sebastianismo, no sentido de uma espera mítica pelo redentor e a redenção, não resume toda a questão (…) Há provavelmente resíduo de messianismo, no sentido que uma vez revelado se tornará uma espécie de salvação nacional e, conseqüentemente, de um milenarismo, aqui estabelecendo um novo conceito ou parâmetro que irá reinar por muito tempo – expectativa posta em coisas como o folclore rico e diverso, o porto internacional do Itaqui, o turismo recém promovido etc. Nisso se esvazia o sentido e o propósito da religião como igreja, para tornar a fé um ato civil (…)” (MARTINS, 2000, P.4).

Por outro lado, em uma sociedade de excluídos, dominada historicamente por uma elite oligárquica, coronelesca, patrimonialista, essa herança, como se vê acima, cria as condições “subjetivas concretas” para a espera de um messias, com conseqüências danosas para as condições objetivas das pessoas, ou das comunidades, ou de grupos.

No caso da música popular do Maranhão, como fenômeno cultural, fruto de mediações sociais, carregada de “significados incorporados de formas simbólicas (…)” (THOMPSON, 1995, p.176), vive-se também esse providencialismo.

Essa crença coletiva se sustenta, além do passado glorioso de uma erudição intelectual e cultural – ao ponto de São Luís ter recebido a alcunha de Atenas Brasileira, pela grande quantidade e qualidade dos escritores que produziu –, nas condições objetivas e potenciais concretas no presente. A exemplo do rico e diversificado folclore, das belezas naturais e arquitetônicas e nos casos de maranhenses “bem sucedidos” de reconhecimento nacional, como Alcione, Zeca Baleiro, S. Antônio Vieira, Rita Ribeiro, Flávia Bittencourt, entre outros, que confirmam a crença de que o talento está aqui em terras maranhenses. Só falta o Brasil descobrir.

É comum no Maranhão se ouvir no rádio, na televisão ou em conversas de bar, ou se ler nos jornais, expressões do tipo, “quando o Brasil descobrir os talentos maranhenses” ou ainda, “se a mídia nacional abrisse mais espaço para a MPM, iria descobrir a riqueza da grande música popular maranhense”. Mais cedo ou mais tarde isso ainda vai acontecer. Profetiza-se.

É essa espécie de crença e expectativa popular, involuntária até, que alimenta o meio musical no Maranhão. Ora, quem já teve um passado glorioso como o nosso em várias épocas, em diferentes aspectos da atividade humana, não há por que não acreditar que o destino nos reconduzirá ao apogeu também na música.

Para pontuar, é ufano citar que São Luís foi a quarta capital do Império brasileiro, após Recife, Salvador e Rio de Janeiro. É de má fé não falar que Gonçalves Dias foi o primeiro grande poeta brasileiro. Estas e tantas outras coisas (…) podem tomar conotações mobilísticas, heróicas e santas. (MARTINS, 2000)

Daí esse sentimento coletivo de que a música do Maranhão pode ser a melhor, porque a nossa cultura é muito forte, nosso folclore é o mais rico e diversificado; porque os nossos músicos criados e curtidos nesse universo, no interior dessas melhores qualidades, mistérios sagrados, dessa ambiência arquitetônica lusitana, impregnados também, é claro, de certo sebastianismo, farão a diferença, assim que forem descobertos, como ressalta Martins, assim que cair “um véu que encobre as verdadeiras virtudes, belezas e nobrezas do lugar (…)”.

Isso por um lado pode ser bom para nossa Música, no sentido de que lhe confere uma aura de autenticidade, de um valor forte da cultura popular, resistente, rude, pois o controle social da indústria cultural sobre ela ainda não é total (ADORNO apud COHN, 1978, p.287-288).

De outro modo pode igualmente remeter a movimentos voluntários equivocados, como estratégia de afirmação no mercado fonográfico nacional, a partir da supervalorização dessas características tão específicas de uma região, se em um passado bem distante, gloriosa, hoje um estado periférico sem grande relevância econômica e política.

Daí que Corrêa reivindica uma nova postura técnica, novo suporte científico ante aos bens culturais imateriais, como é o caso da música popular no Maranhão. Fruto de sínteses de diferentes culturas e de processo cultural em curso, inacabado, contínuo, sem uma centralidade determinante (Corrêa, 2006.)

Todavia, o importante é compreender que a música como fenômeno cultural, incorpora uma dinâmica intensa de mediações e interações, de trocas simbólicas, de significados que se reelaboram permanentemente no curso do processo histórico e político e seus diferentes contextos.

Ignorar essa dimensão dos fenômenos e bens culturais, em um estado com a tradição política do Maranhão, pode conduzir a acreditar que a messias, digo, o messias para a música popular já chegou, ou que acabou de se ir e que vai voltar para a restauração da grande música popular maranhense.

Mas, em qualquer desses quadros, a crença messiânica pode reduzi-la à canção de casa grande, na melhor das hipóteses em um canto exótico de um grupo cada vez menor de músicos apaniguados do palácio, para um ainda menor de apreciadores. Fadada a virar quem sabe um cd, como recompensa pelas festas e rodas domésticas animadas com o dinheiro de todos e de todas, público. Longe da perspectiva da construção de uma memória viva, com participação da população, fortalecendo identidades, o diálogo intercultural, determinando ativamente novas políticas culturais inclusivas.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. A Indústria cultural: o esclarecimento como mistificação das massas. In: Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.

CORRÊA, Alexandre Fernandes. Teatro das Memórias Sociais e do Patrimônio Cultural: a educação patrimonial em perspectiva. In Os caminhos do patrimônio no Brasil / Organizadores Manoel Ferreira Lima Filho. Márcia Bezerra – Goiânia: Alternativa. 2006.

________. Patrimônios, Museus e Subjetividades. In Ciências Humanas em Revista/Universidade Federal do Maranhão. Centro de Ciências Humanas, São Luís,2004.

COHN, Gabriel(org.). Comunicação e Indústria Cultural. 4 ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978..

MARTINS, Ananias Alves. O Rei Vive – a Brasilidade Regional do Maranhão: um ensaio das sobreposições culturais e a formação da mentalidade local. Mimeo. 2006.

MARANHÃO, Chico. MPM em discussão. Jornal o Estado do Maranhão. Opinião. Gráfica Escolar, São Luís, 2004, p. 5.

THOMPSON, John B. O conceito de cultura. In: Ideologia e cultura moderna. Petrópolis: Vozes, 2000.

SANTOS, Ricarte Almeida, De Zeca Baleiro a Bruno Batista….ainda. bem que eu não ouvi todos os discos. Diário da Manhã, Opinião. São Luís, 2004, p. 4.

[artigo publicado no suplemento Guesa Errante, do Jornal Pequeno, em 30 de janeiro de 2007]

João Manoel, nasce um novo chorão

Nesta última quarta feira, dia 16 de julho, às 19:40, nasceu mais um chorão na Ilha. Trata-se de João Manoel, meu mais novo rebento. E eu posso atestar – como acompanhei o parto de perto – o cara já nasceu chorando. Quando apareceu fora da barriga, já foi cantando choro. E chorando alto.

Como João Manoel nasceu prematuramente, ele ainda vai passar alguns poucos dias na incubadora, até ganhar o peso necessário para a convivência social, que deverá ser intensa para um figura dessa estirpe. Mas ele passa bem e logo deverá frequentar as rodas de choro da cidade. A mãe, Cristiane Moraes, já recebeu alta médica e se encontra em casa em plena recuperação, mas tendo que ir diariamente ao hospital amamentar o mais novo chorão.

E assim caminha a humanidade.

Cartola de Ébano e o Choro Calado


imagem: captada no site: http://www.raizes.art.br

O projeto Clube do Choro Recebe promove mais um sarau nesse sábado próximo. O encontro da rapaziada jovem do Chorando Calado, um dos mais promissores grupos instrumentais da nova geração de chorões da Ilha, com a obra genial de Cartola. O cantor Eraldo Ébano será o convidado do projeto e abordará clássicos do grande mestre da Mangueira, autor de Esquece, As Rosas Não Falam, Tive Sim, etc, etc, etc. Maiores detalhes, no texto postado abaixo, do escriba Zema Ribeiro.

Eraldo Ébano, acompanhado do grupo Chorando Calado, apresentará repertório do mestre de Mangueira, que completaria 100 anos em 2008.


foto: Ivo Segura

Diversos tributos a Cartola chegaram às lojas em 2008. O compositor mangueirense completaria 100 anos em 2008 e fez por merecer cada homenagem prestada. O projeto Clube do Choro Recebe não ficaria de fora: neste sábado (12), o grupo Chorando Calado recebe o cantor Eraldo Ébano, que interpretará músicas como Alvorada, Minha, O sol nascerá e O mundo é um moinho, entre outras.

Como o mestre homenageado, José Eraldo Rocha – nome de pia de Ébano – não vive apenas de música: atua em áreas tão diversas como comunicação e alimentação (é formado em Marketing e Técnico em Nutrição e Dietética). Nesta apresentação, será acompanhado por Tiago Souza (saxofone, clarinete), João Eudes (violão), Wendell Cosme (cavaquinho) e Paulinho Sabujá (pandeiro), que formam o grupo Chorando Calado.

À frente do grupo Ébano – conhecido pela preferência por sambas de raiz –, Eraldo já apresentou tributos a Cartola em outros palcos ludovicenses. O autor de Alvorada está em sua lista de preferidos, o que não tem difícil explicação: ele foi um dos maiores gênios da música popular brasileira em todos os tempos.

CARTOLA – Fundador da Estação Primeira de Mangueira, ainda no final dos anos 20, Angenor de Oliveira, o Cartola – que trabalhava como servente de obra e ganhou este apelido por conta do chapéu que usava para se proteger da poeira – sumiu do mapa, só reaparecendo em fins dos anos 50, encontrado pelo jornalista Sérgio Porto (o Stanislaw Ponte Preta), trabalhando como lavador de carros.

Na década de 60, abriu, com a então esposa, Dona Zica, o restaurante Zicartola, palco importante para o cenário da música popular brasileira, que veio a falir em seguida. Cartola só gravou o primeiro de seus quatro discos em 1974, na gravadora Marcus Pereira, que lançou outros nomes importantes como Canhoto da Paraíba, Doroty Marques, Papete e Chico Maranhão. Faleceu em 1980, aos 72 anos.

O couvert artístico individual custa apenas R$ 5,00. O Projeto Clube do Choro Recebe tem Apoio Cultural de TVN São Luís, Energético Hiro, Clinimagem, Honda Gran Line, Rádio Universidade FM, e Cia. de Comunicação e Produção.

SERVIÇO

O quê: Projeto Clube do Choro Recebe – 40ª. edição.

Quem: o grupo Chorando Calado recebe o cantor e compositor Eraldo Ébano.

Quando: dia 12 de julho (sábado), às 19h.

Onde: Restaurante Chico Canhoto (Residencial São Domingos, Cohama).

Quanto: R$ 5,00 (couvert artístico individual).

Maiores informações: pelos telefones [98] 3252-1219, 9128-6278 e/ou e-mails ricochoro@hotmail.com e clubedochorodomaranhao@gmail.com

Apoio Cultural: TVN São Luís, Energético Hiro, Clinimagem, Honda Gran Line, Rádio Universidade FM, e Cia. de Comunicação e Produção.
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Leia sobre (e vote n)a 40ª edição do Projeto Clube do Choro Recebe no Overmundo:


Chorinhos e Chorões – domingo, 6 de julho – Os cara do Rio e as mina de Sampa


É isso mesmo. Neste domingo o programa Chorinhos e Chorões, que vai ao ar sempre às 9 horas da manhã pela Rádio Universidade FM, traz duas novidades preciosas do universo instrumental-chorístico brasileiro. O segundo disco – Feijoada Completa – da trupe carioca do Tira Poeira e o primeiro do trio de irmãs paulistanas Choro das 3.

O primeiro disco do Tira Poeira que saiu em 2003 já foi assim retumbante. Mexeu com as estruturas conservadoras, com um choro alegre, ao mesmo tempo elaborado, sofisticado e aberto. Indo dos clássicos do choro à pérolas do samba, inclusive com participações de cantores da cena boêmia carioca. O nome do grupo – Tira Poeira – já prenunciava a proposta dos caras. Espanar as prateleiras empoeiradas do choro. Andaram até flertando com a consagrada Maria Bethânia no cd Brasileirinho, cuja participação foi saudada com festa pela crítica e pelo público.

Depois de rumores da dissolução do grupo, O Tira Poeira reaparece todo fagueiro e cheio de garbo com um novo álbum da mais refinada abordagem instrumental brasileira.
Um repertório de música brasileira no sentido mais amplo. De Chico Buarque à Villa Lobos, incluindo Guinga, Vinícius de Moraes, Dominguinhos, Edu Lobo, sem trazer nenhum clássico do choro, ao contrário do primeiro disco.

E nesse, Bethânia devolve a participação d’Eles no seu disco e canta em grande estilo Gente Humilde, de Chico, Garoto e Vinícius.

A outra pedida de domingo no Chorinhos e Chorões é o grupo paulistano Choro das 3, formado pelas irmãs Elisa Meyer Ferreira no bandolim, banjo e Clarinete; Corina Meyer Ferreira na Flauta e Lia Meyer Ferreira no violão de 7 cordas. Claro, acrescido do cuidadoso pai, Eduardo Ferreira no pandeiro, surdo e tamborim.

O repertório da moçada traz assumidamente o Choro, em clássicos dos mais executados em toda roda de choro que se preze. Brejeiro, de Nazareth, Flor de Abacate, de Álvaro Sandim, Carinhoso de Pixinguinha e João de Barro, dentre outros, integram o cd.

A diferença das mina é a vivência delas nos mais tradicionais saraus chorísticos de Sampa. Estudam e praticam choro desde a infância, convivendo com figuras como Zé Barbeiro, João Macacão, Stanley, Luizinho 7 cordas, Arnaldinho e tantos outros mestres do choro paulista, o que lhes garante os caminhos e senhas para desvendar os meandros dessa música tão complexa que é o choro.

Meu Brasil Brasileiro é o título do disco das três, ou melhor, do Choro das 3. Uma alegria contagiante, redundantemente cheia de graça. A graça das mina de Sampa, ó meu.

E no bloco das coisas de nossa terrinha timbira, a participação de dois grandes instrumentistas maranhenses no show de Zé da Velha e Silvério Pontes que eu produzi no Circo da Cidade, em 2006. Agora, recentemente recuperamos o áudio (com o auxílio luxuoso de Ivar Silva). E, olha, a participação de Luís Júnior e Serrinha de Almeida naquele show nos enche de orgulho, tal a qualidade de suas execuções, em diálogo aberto e franco com dois dos maiores instrumentistas brasileiros, em uma noite inesquecível.

O Choro no Maranhão: em alto e bom som


foto: Pedro Araújo

A presença do Choro é influência marcante na música feita no Maranhão. Basta ouvir os grandes compositores maranhenses, como Ubiratan Souza, César Teixeira, Joãozinho Ribeiro, Chico Maranhão, Bibi Silva, Cristóvão Alô Brasil, Josias Sobrinho, Seu Antonio Vieira, Chico Saldanha, além de outros tantos que têm suas obras musicais impregnadas de influências chorísticas.

Depois, o Maranhão sempre foi um centro produtor musical de grande quantidade e qualidade, embora sendo um estado periférico, sem grande importância no cenário político e econômico até aqui.

No famoso acervo do Pe. Mohana é possível garimpar em suas peças, dentre valsas, polcas, e outros gêneros, também belíssimos choros.

Na nossa literatura encontram-se também registros dos famosos grupos regionais presentes animando as festas e casas de diversões em um passado não muito distante.

Podemos ainda lembrar grandes mestres maranhenses do Choro do passado e do presente, como Zé Hemetério, mestre Nuna Gomes, Custodinho, Six, Cleômenes, Raimundo Amaral, João Pedro Borges, Serrinha de Almeida, Paulo Trabulsi, Ubiratan Sousa, Raimundo Luís, Domingos Santos, Leo Capiba, Zé Carlos, Aluisio Canhoto, Agnaldo Sete Cordas, Joaquim Santos, Fátima Passarinho, Juca do Cavaco, Francisco Solano, Roquinho, Gordo Elinaldo, Zezé Alves, os jovens Robertinho Chinês, Ricardo Focca, João Neto, Luís Júnior, Thiago Sousa, João Eudes, Wendell, e tantos outros que estão surgindo aí na cena Choro da Ilha.

Recentemente, com a criação do Clube do Choro do Maranhão, por ocasião do Festival Internacional de Música de São Luís, houve uma retomada do movimento de maneira mais intensa e articulada, dando maior visibilidade ao gênero, com inúmeros encontros, rodas de choro e intercâmbios com chorões de outras praças. O desenvolvimento de projetos de difusão do choro em diversos locais como bares, praças, teatros e outras casas de espetáculos, além de escolas para a formação de novos instrumentistas, é o caminho que se deve buscar.

Um pequeno exemplo é o projeto Clube do Choro Recebe, que caminha para um ano de encontros semanais, movimentando instrumentistas, músicos, cantores, cantoras, compositores, sonoplastas, cinegrafistas, fotógrafos, jornalistas, garçons, produtores e apreciadores do choro de modo geral, com repercussões já em todo Brasil. Nomes como Lena Machado, Chico Maranhão, Cesar Teixeira, Josias Sobrinho, Chico Nô, Bruno Batista, Chico Saldanha, Flávia Bitencourt, S. Antônio Vieira já deram o ar da graça cantando por lá.

Além de um programa de rádio especializado em choro, o Chorinhos e Chorões, da Rádio Universidade FM, que está no ar há 19 anos, contribuindo para a difusão e fortalecimento do gênero no Maranhão.

A gravação do primeiro disco de choro do Maranhão, com um repertório todo de compositores da terra, pelo Instrumental Pixinguinha, é de fato um acontecimento histórico e animador para os outros grupos e a confirmação da força do choro em nosso estado.

Nessa direção, os grupos Regional Tira Teima, Chorando Calado, Cinco Companheiros e Choro Pungado já começam os preparativos para a gravação também dos seus discos.

De toda essa movimentação tem surgido uma vigorosa renovação do gênero por aqui. Se até o surgimento do Clube do Choro só havia em São Luís dois grupamentos chorísticos – o Instrumental Pixinguinha e o Regional Tira-Teima – , hoje há pelo menos sete grupos de choro em atividade todos os dias da semana – além dos dois já citados temos agora o Grupo Um a Zero, o Chorando Calado, o Urubu Malandro, O Cinco Companheiros e o Choro Pungado.

Isso sem falar nos inúmeros instrumentistas, que também desenvolvem um trabalho tendo o choro como base. Além das cidades do interior, especialmente as da baixada, que tem uma tradição musical/instrumental muito forte, a exemplo de Viana, Penalva, Cajari, São Bento, Cururupu, Bequimão, etc.

De modo que temos hoje em São Luís apresentações de choro em quase todos os dias da semana. O que tem servido tanto como oferecimento de novas expressões musicais para o público maranhense, contribuindo para a formação de novas platéias e diversificação de práticas instrumentais, como também para o surgimento de oportunidades de trabalho e renda para os nossos músicos e instrumentistas.

O que se busca ainda como resultado de toda essa movimentação, é o amadurecimento da produção Chorística no Maranhão, como gênero e como forma de tocar outros gêneros. Nesse caso, nossa terra é um balaio enorme de diversidades do qual nossos chorões não devem abrir mão. Assim teremos condições de mostrar ao Brasil um Choro rico, diferente, com sotaque e identidade próprios, tocando em alto e bom som.

OS SEIS COMPANHEIROS

O grupo Os Cinco Companheiros recebe Chico Nô em mais uma edição do Projeto Clube do Choro Recebe.

O cantor e compositor Chico Nô é o músico convidado da 39ª. edição do Projeto Clube do Choro Recebe, que acontece este sábado (5), a partir das 19h, no Restaurante Chico Canhoto (Residencial São Domingos, Cohama). Na ocasião terá como anfitrião o grupo Os Cinco Companheiros.

Nascido em Imperatriz/MA, Chico Nô morou no Rio de Janeiro, onde, entre a Lapa e a Vila Isabel aproximou-se definitivamente do samba e do choro. Da terra de Noel – como bem canta Josias Sobrinho, grande mestre de nossa música – o maranhense impregnou-se das influências que marcam sua trajetória, seja enquanto compositor, seja enquanto intérprete, faceta esta que será mostrada ao público presente, sábado: Chico Nô interpretará composições do gênio Noel Rosa, homenageado na edição anterior do projeto por Zeca do Cavaco, que interpretou canções do repertório do bamba de Vila Isabel ao lado de criações de Cesar Teixeira.

O grupo Os Cinco Companheiros nasceu da necessidade do veterano Osmar do Trombone em registrar obras musicais de cinco gerações de sua família, toda formada por músicos. Completam o grupo Osmarzinho (saxofone e clarinete; filho de Osmar), João Soeiro (violão), Rafael Guterres (cavaquinho) e Wanderson (percussão). Eles já estão em estúdio, registrando composições instrumentais, desde o bisavô até o filho de Osmar.

O couvert artístico individual custa apenas R$ 5,00. O Projeto Clube do Choro Recebe tem Apoio Cultural de TVN São Luís, Energético Hiro, Clinimagem, Honda Gran Line, Rádio Universidade FM, e Cia. de Comunicação e Produção.

SERVIÇO

O quê: Projeto Clube do Choro Recebe – 39ª. edição.
Quem: o grupo Os Cinco Companheiros recebe o cantor e compositor Chico Nô.
Quando: dia 5 de julho (sábado), às 19h.
Onde: Restaurante Chico Canhoto (Residencial São Domingos, Cohama).
Quanto: R$ 5,00 (couvert artístico individual).
Maiores informações: pelos telefones [98] 3252-1219, 9128-6278 e/ou e-mails ricochoro@hotmail.com e clubedochorodomaranhao@gmail.com
Apoio Cultural: TVN São Luís, Energético Hiro, Clinimagem, Honda Gran Line, Rádio Universidade FM, e Cia. de Comunicação e Produção.

[texto de Zema Ribeiro]

De Galo Preto a Rabo de Lagartixa: o choro tem cada uma

A própria palavra Choro para designar um gênero musical, para muitos já soa um tanto estranho! Pasmem! Mas ainda existe quem não sabe da existência do primeiro gênero musical genuinamente brasileiro. E só conhece o choro como ato de derramar lágrimas copiosas. Também, com tantos tapinhas na cara, seria exigir muito dessas cabecinhas maltratadas.

É, mas o Choro ou Chorinho, como queiram, além do próprio nome, apresenta uma série de curiosidade e esquisitices, que vai desde o nome (ou apelido) de alguns chorões até os títulos de suas obras, nomes de grupos, de bares onde acontece as melhores rodas de Choro. Isso sem falar em comportamentos, atitudes e manias dos nossos chorões.

Nos anos 70 e 80 ficou famoso no Rio de Janeiro, o Bar “Sovaco de Cobra”, que até virou título de Choro. Outros títulos de Choros, nada convencionais, engrossam a lista de coisas “estranhas” no gênero, do tipo “Jacaré de Saiote”, “Siri com toddy”, “Bolacha Queimada”, a famosa “André de Sapato Novo” ou “Música é que nem filho, a gente faz e depois dá o nome” (de Hermeto Pascoal), ou ainda, “Diabinho Maluco”, do saudoso Jacob do Bandolim.

No campo dos nomes de Chorões, dos mais exóticos podemos lembrar, Sátiro Bilhar, Quincas Laranjeira e Bonfíglio de Oliveira, dos mais antigos. Sem esquecer do cavaquinhista Toco Preto, ou dos nossos Léo Espirro, Zeca Buiú, ou do próprio Pixinguinha.

Tanta excentricidade assim é fruto da enorme criatividade e senso de humor de compositores, instrumentistas e freqüentadores das rodas de Choro e, claro, de uma boa dose de esquisitice mesmo.

Em 22 de julho de 2001, o Chorinhos e Chorões apresentou quatro grupos de Choro que incorporam já nos nomes essas excentricidades. Os modernos GALO PRETO e seu CD Homônimo, o ÁGUA DE MORINGA com o CD “Saracoteando” e o NÓ EM PINGO D’ÁGUA, com um trabalho intitulado “Nó na Garganta”. Digo moderno por se tratar de grupos surgidos após Radamés Gnattali e Camerata Carioca. Grupo que demarca com mais ênfase o caráter camerístico do Choro, dando maior espaço a todos os instrumentistas em suas execuções. Superando a fase de um só músico solista com os demais apenas acompanhando. A partir da Camerata Carioca, todos os instrumentos do grupo ganham arranjos especiais.

O Galo Preto, o Água de Moringa e o Nó em Pingo D’água vêm dessa influência. São grupamentos instrumentais que adicionam novos elementos e informações ao gênero, tornando-o mais rico e sofisticado.

Depois do Galo, do Água e do Nó, vem um grupo que eu “classifico” de pós-moderno no Choro, de nomenclatura não menos exótica: RABO DE LAGARTIXA. Uma turma jovem, de linguagem igualmente nova, com ênfase e predominância no Choro. Para o pesquisador Tárik de Souza, “o Lagartixa mexe o rabo para o lado do pop, mas sem vulgarizações (…) e volta a ser uma maneira de tocar, incorporando os sons da rua (…). Ao incorporar a estética (mais a estática) do presente ele semeia o Choro no novo milênio”. E aí quem sabe, surgindo novos grupos como o RABO DE LAGARTIXA, com uma abordagem mais jovem, mais contemporânea, a nossa juventude (ou parte dela) possa chorar diferente. Não mais de “tapinhas na cara”. É que segundo os médicos, tapinhas na cara, além de violentos, afetam os neurônios.

Salve o Choro! Salve o Galo! Salve o Nó! Salve o Lagartixa! Abaixo a violência e a mediocridade!

Em breve poderemos reapresentar o programa com os quatro grupamentos de nomes curiosos.

[texto publicado no jornal pequeno em julho de 2001, e atualizado para a presente postagem. ]