O Tribunal Popular do Judiciário e Ministério Público é uma iniciativa de um conjunto de Organizações, redes e articulações da Sociedade Civil, durante todo o ano de 2009, em vista de uma reflexão profunda sobre o papel e a atuação do Judiciário e MP maranhenses, considerando um quadro de profunda negação e violação dos Direitos Humanos no estado do Maranhão.
A motivação dessa iniciativa deve-se a uma histórica situação de negação e violação dos Direitos Humanos no estado, sem que essas duas instituições, assumam efetivamente suas responsabilidades constitucionais.
Os abusos, omissões, conivências e responsabilidades se dão nas mais diferentes áreas e/ou temas de interesse público. Pode-se fazer um levantamento ou mapeamento da atuação das duas instituições que facilmente se verificará o grande hiato na prestação jurisdicional desses dois organismos fundamentais para a democracia. Isso se expressa concretamente na vida de milhões de maranhenses, através da não garantia e efetivação dos direitos sociais. Isso, ainda, para não falar dos outros direitos, civis, políticos, ambientais, culturais e econômicos. Sem a complexidade dos novos paradigmas dos Direitos Humanos.
É sabido por todos/as que a partir de 88, o país recupera a condição de Estado Democrático de Direito. É dito na Constituição que o Estado Brasileiro tem o dever de garantir o bem estar e a dignidade da pessoa humana, indistintamente. Saúde, educação, moradia, proteção à infância e à maternidade, lazer, segurança são DIREITOS do cidadão e da cidadã.
No entanto, na cultura política brasileira, arraigada na tradição coronelista, no patrimonialismo, vocação que o Maranhão ostenta com todo garbo e galhardia, essa compreensão é ainda muito distante da realidade, especialmente junto às instituições de Estado.
Basta ver nas últimas oito décadas, a sucessão de grupos oligárquicos que se apropriaram do patrimônio público, enriqueceram com as benesses do Estado e implantaram nas entranhas dele um cultura, um modus operandi, cuja lógica é o privilégio, o apadrinhamento, o sabe com quem está falando?.
O resultado, podemos ver nos nossos indicadores sociais, ante tanta riqueza natural, tanta potencialidade, temos hoje um Maranhão rico de povo empobrecido, miserável.
Visitar pensadores como Raimundo Faoro, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Darcy Ribeiro, dentre outros, nos ajuda a compreender melhor as “raízes do Brasil”, a formação histórica, econômica, cultural e política do “povo brasileiro”. Conhecer melhor quem são “os donos do poder”. Com essas leituras é possível identificar nossos condicionantes, que determinam a mentalidade das nossas elites e do povo brasileiro, o rumo do nosso chamado “desenvolvimento”. O jeito das nossas instituições. Como e para quem o Estado brasileiro existe.
São pelo menos (quase) quatro século de cristalização de um Estado garantidor de privilégios de uma elite política e dita “intelectual”, cuja lógica, é sua própria reprodução, em um ciclo de auto-favorecimento interminável. Participação popular, tratada como coisa de polícia. Afinal, como diz o ditado, “política é coisa de branco”.
A Carta de 88, na contramão dessas tradições, foi um avanço extraordinário, que veio no bojo das lutas políticas e sociais, contra a ditadura militar, e pela redemocratização do país. Com a chamada Constituição Cidadã, afirmava-se no papel um conjunto de Direitos, há muito, negados pelos governos ditatoriais. O Brasil recuperava a condição de Estado Democrático de Direitos. E mais, recuperávamos o caráter público do Estado Brasileiro, portanto, responsabilidade de governo e de sociedade.
Isto significava que a sociedade seria o foco, o sentido, a prioridade do Estado e de governos. Além disso, também cabia a ela, como direito constitucional, o exercício do controle social sobre todas as políticas públicas. Participar,propor, fiscalizar, denunciar são funções da sociedade.
Daí pra frente, este era o nosso desafio: Transformar o que estava consignado no papel em efetividade na vida das pessoas. Fazer com que os direitos sociais, civis e políticos pudessem virar qualidade de vida, dignidade, bem estar.
O ordenamento jurídico está dado; o pacto federativo estabelecido – federação, estados e municípios com papéis definidos e complementares – ; os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário); o Ministério Público, finalmente com uma responsabilidade pública de vigilância e zelo pelos interesses difusos da sociedade; os recursos, garantidos. Nunca a máquina arrecadadora foi tão eficiente. Tudo certo, tudo vai funcionar. O Estado vai garantir as políticas públicas. Adeus atraso, pobreza e miséria.
Ledo engano. Nesse arranjo institucional todo, existem até algumas peças que, sob pressão, até que funcionam. Mal, mas funcionam.
Já outras, não conseguiram se livrar das tradições imperiais, do arcaísmo, do autoritarismo, do legalismo de letra morta, do privilégio, da inércia, da pompa, da ostentação, do favorecimento, do jeitinho brasileiro, do compadrio, do “sabe com quem está falando?”.
Por azar da cidadania, as instituições mais afetas a este conjunto de sintomas deletérios aos Direitos Humanos, são as que habitam no campo da prestação Jurisdicional. Especialmente o poder Judiciário e o Ministério Público. As de importância estratégica na mediação do Jogo Institucional estabelecido.
Sobre os outros poderes (executivo e legislativo) até que se consegue exercer algum tipo de controle social. Fiscaliza-se, denuncia-se, propõe-se, vota-se e até delibera-se. Agora quando o assunto são as instituições do Judiciário, há uma distancia abissal, paira uma aura de superioridade, de inquestionabilidade.
Olha só que relevância para o avanço da democracia e garantia dos Direitos Humanos no Maranhão, teria O Judiciário e o Ministério Público maranhenses. Passaram-se 20 (vinte) anos da promulgação da Constituição, e essas duas pouco ou quase nada avançaram nesse campo.
Só agora, há pouco mais de três anos, O tribunal de Justiça do Maranhão realizou concurso público para o provimento de seus quadros de pessoal. Funcionava tudo na base do Q.I(quem indique), do nepotismo em suas mais variadas modalidades.
É dito, à boca graúda, que juízes e promotores, em sua maioria, só estão nas comarcas de terça à quinta; que suas relações com o executivo municipal beira o favor, a subserviência recíproca, como moeda de troca de conveniências. Recentemente um membro da corte mais alta da Justiça Maranhense denunciou a venda de sentença por membros do TJ. Algo que todos já “desconfiavam”. Isso para não falarmos do último relatório do CNJ, sobre o Judiciário maranhense, recentemente publicado.
É sintomático que a Controladoria Geral da União, o TCU, O Ministério Público Federal, a Justiça Federal, a Polícia Federal consigam identificar casos de corrupção, prender dezenas de gestores públicos, enfim, criar embaraços, constrangimentos e punições – ainda que por pouco tempo – aos larápios do dinheiro público e o nosso MP e o Judiciário, com exceção de alguns poucos e valorosos promotores e juízes, não consigam perceber o que todos enxergam a olhos nus, o roubo deslavado dos recursos públicos. Tem até uma indústria de liminares para reintegrar prefeitos cassados.
Existem estudos, estatísticas que atestam que no Maranhão o nível do desvio dos recursos públicos nos municípios beira a casa dos 60 a 70 por cento. Na operação Rapina da PF no Maranhão, dentre dezenas de gestores públicos e contadores presos, um dos prefeitos havia desviado cerca de 96% dos recursos federais repassados ao Município. Imagina o tanto de direitos que são negados em cadeia com esse nível violento, escancarado de roubo do dinheiro público.
Esse é o quadro de malversação das políticas e recursos públicos, que por função constitucional, o Ministério Público e o poder Judiciário teriam papéis complementares de zelo pelo interesse sociedade, pela garantia dos Direitos, através das políticas públicas efetivadas na vida das pessoas, enfim, do contribuinte, para falar de dinheiro, de quem paga a conta. Inclusive os altos salários de juízes, promotores, desembargadores, deputados, prefeitos, que são servidores públicos ou, pelo menos, deveriam ser.
Por outro lado, o que se vê é um distanciamento da realidade. Será que juízes, desembargadores, promotores, procuradores são seres que vivem em outro planeta? Os gordos salários, os privilégios, os favores, parece que os transformam em figuras acima do bem e do mal, não sujeitas a uma vida entre os simples mortais. Tanto que alguns morrem de medo de contato com o humano.
Se consideram inquestionáveis, sujeitos herméticos, “imparciais”, não podem se posicionar publicamente, ainda que seja pelo razoável, pelo interesse coletivo. No entanto, os últimos acontecimentos, as últimas eleições municipais falam por si. Juízes envolvidos com prática de trabalho escravo, com venda de sentenças, comprometidos com um dos lados das eleições em vários municípios, dentre outras práticas condenáveis.
As muitas sublevações, turbas enfurecidas, surgidas nos mais diferentes recantos deste estado, depredando bens públicos, após as eleições, não são frutos apenas da ação de baderneiros, dos derrotados. Mas é também descrença nas instituições mediadoras e de controle oficial, a cada dia mais inócuas, ausentes, distantes, omissas, ineficientes, pouco produtivas e, por vezes, comprometidas.
Todo esse passivo das instituições jurisdicionais se amplia para todos os lados dos Direitos Humanos. Na questão fundiária, os segmentos populares rurais e urbanos são vítimas constantes dos despejos desumanos e violentos, quase nunca fazendo Justiça; nas violações dos Direitos da Criança e do/a Adolescente; no sistema prisional, milhares de presos sem julgamento há anos, inchando as cadeias e presídios, em um violento atentado aos Direitos Humanos. E não pára por aí. São muitos os quadros de omissão, conivência, e de responsabilidade do Judiciário e Ministério Público com a negação e violação dos Direitos Humanos no Maranhão.
É necessário que a sociedade crie mecanismos e ferramentas de discussão e reflexão sobre essa grave situação. É um tabu ainda muito grande abordar esse tema em todo o Brasil. Ainda paira muito medo.
Mas é necessário e é contemporâneo. Os avanços democráticos vão em todas as direções. O nível de informação que a sociedade brasileira e maranhense acumula, a noção de direitos cada vez mais crescente, as novas gerações, já não cabem nessas instituições arcaicas, enferrujadas, cristalizadas, fechadas em seu mundinho de conforto e privilégios, pactuadas com o poder político e econômico. Ainda assim, acima do bem e do mal. Ora, vê se pode!?.
O pacto tem que ser com a CIDADANIA, com a garantia dos direitos difusos da sociedade, com a plataforma DHESCAS, com a transparência, com a participação social. Assim teremos um grande Ministério Público, legítimo, um Judiciário garantidor da JUSTIÇA, vivo, atuante para o bem da democracia e de toda a sociedade.
O tribunal Popular do Judiciário e Ministério Público se propõe a isso. Discutir coletivamente, com um mecanismo do próprio Judiciário, a sua atuação, o seu papel, tão reclamados pelo conjunto da sociedade. A ideia é realizar vários eventos (tribunais populares) em diferentes regiões do Maranhão, culminando com um grande momento Estadual, que possam apurar, investigar as responsabilidades dessas instituições em diferentes temáticas dos Direitos Humanos e proceder o julgamento popular concernente. E Por fim, que se possa oferecer os elementos levantados, as denúncias apuradas aos organismos nacionais e internacionais de controle, como os Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público, e a OEA, dentre outras organizações multilaterais.
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