Arquivo do mês: junho 2008

O Choro e a Indústria Cultural: a polêmica de Jacob e o “Rei do disco”

Com o advento do rádio e das gravadoras, possibilitado pelo início do processo de industrialização no Brasil, Pixinguinha começa a dar ênfase ao trabalho de arranjador e orquestrador, através do rádio e do disco.

“No fim dos anos vinte, dois fatos mudariam a velocidade de desenvolvimento da música popular no Brasil trazendo conseqüências imediatas para o choro. O fortalecimento do rádio e o advento das gravações elétricas” (CAZES em artigo Revista Roda de Choro – “As gravações mecânicas”. No 4. 1996).

Desse período a grande novidade introduzida por Pixinguinha que viria a ser determinante para o Choro nos moldes que hoje conhecemos, foi a aproximação do Choro com a percussão. Se atualmente não se pode imaginar um grupamento de Choro sem instrumentos de percussão como pandeiro, timba, surdo ou outros apetrechos rítmicos-percussivos, isso deve-se aos arranjos criados por Pixinguinha, que com suas influências e informações afros, percebeu a riqueza que isso poderia trazer. “Ao que parece o objetivo de Pixinguinha era criar uma música para dança a partir de matrizes afro-brasileiras”(CAZES,1998, p. 71).

Pois seriam esses elementos que contribuiriam como linguagem musical para a assimilação do samba pelas elites intelectual e política de então (VIANA, 1995). Pixinguinha, tanto como músico, nos mais diferentes papéis, quanto como mediador cultural, teve papel fundamental nesse sentido.

No entanto, o surgimento do samba e dos cantores e cantoras do rádio, sucumbe um pouco o Choro. É quando Pixinguinha passa majoritariamente a trabalhar como arranjador de orquestras para gravadoras e rádio. Mas aí levando consigo, para a música que passaria a orientar, todas essas informações, influências e elementos culturais de sua intensa vivência musical. O que passaria também a dialogar com as inovações tecnológicas advindas do aparecimento do rádio e do disco, prenúncio da implantação da Indústria Cultural em terras Brasileiras. Já não é sem motivo que o Choro a partir de então vai gradativamente perdendo espaço ante o apogeu da música cantada.

A partir daí começa a ser implantada no meio musical brasileiro a lógica da indústria cultural. O processo que se dava até então, de interação e mediação dos diferentes elementos culturais na formação da música brasileira, que tinha o Choro como expressão mais sincreticamente espontânea, começa a ganhar uma outra orientação.

“A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte superior e da arte inferior. Com prejuízo de ambas. A arte superior se vê frustrada se sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total(ADORNO, apud COHN, P.287-288).

Os músicos de Choro, em regra geral, de protagonistas que eram, de executores virtuoses de uma boa música instrumental, passaram a exercer um papel coadjuvante no bojo da emergente industria cultural. Era comum, a partir da década de 30, as emissoras de rádio e gravadoras terem em seu quadro de contratados um conjunto de choro, que era chamado invariavelmente de “Regional”.

“Para uma estação de rádio da época era indispensável o trabalho de um conjunto do tipo “regional”, pois, sendo uma formação que não necessitava de arranjos escritos, tinha a agilidade e o poder de improvisação para tapar os buracos e resolver qualquer parada no que se referisse ao acompanhamento de cantores(CAZES,1998, p. 85).

Ainda assim com o espaço limitado para a música instrumental nesse contexto de implantação da Indústria cultural no Brasil, alguns músicos de Choro se destacam. Pode-se apontar dois deles que, tanto como instrumentistas acompanhantes de grandes cantores – como as gravadoras queriam – quanto como músicos solistas, ocuparam um espaço relevante no dito mercado musical , Jacob do Bandolim e Waldir Azevedo. Estes dois mestres do Choro expressam bem a contradição que o choro passou a experimentar com o advento da chamada indústria cultural.

O primeiro, exímio Bandolinista, compositor refinado, autor de inúmeros clássicos do Choro, criador de um estilo brasileiro para o Bandolim. Preciosista por convicção, Jacob nutria verdadeira desprezo pelo termo “regional”, adotado por emissoras de rádio e gravadoras para designar os grupos de choro. “Para ele a palavra significava um grupo de músicos desleixados, sem estudo, pau-pra-toda-obra das rádios” (DINIZ, 2003, p.35). Jacob, apesar da fama de conservador, foi um dos mais criativos e inventivos músicos brasileiros. Além de ter definido “personalidade própria ao bandolim brasileiro” como afirma CAZES, Jacob do Bandolim, foi dos mais estudiosos pesquisadores sobre as possibilidades do Choro e já nos anos 60, com o LP “Vibrações”, prenunciava o que viria acontecer com o Choro só na década de 80, que é a exploração do caráter camerístico do gênero.

Alguns depoimentos de Jacob, em cartas a amigos, revelam o grau de angústia e decepção com sua não inserção, em vendas dos seus discos, no dito mercado fonográfico :

“(…)O grande público por sua vez ainda não reconheceu isso, dada a sua natural ignorância e o desvio do seu paladar para outros setores artísticos, tais como o canto, o humorismo e as novelas(…). Não vês o Garoto? Faz música para músico e se dá mal. O “Outro” – se referindo a Waldir Azevedo – as faz para o público. Dá-se bem, mas por pouco tempo. O ideal é aliar uma coisa à outra e manter-se num nível de produção satisfatório” ( DO BANDOLIM apud CAZES, 1998, P. 102 -103).

Mas se Jacob do Bandolim, um dos maiores compositores do gênero, instrumentista de grande e apurada técnica, cheio de rigor e exigência no trato com o Choro, não conseguiu fazer dos seus refinados discos, de reconhecida qualidade, sucessos de venda, o mesmo não ocorreu com o cavaquinhista Waldir Azevedo, a quem Jacob elegeu como seu desafeto.

Diferentemente de Jacob, Waldir Azevedo tornou-se cavaquinhista quase que despretenciosamente.

“(…) Waldir Azevedo foi chamado para fazer um teste na Rádio Clube, pois precisavam de um cavaquinhista para integrar o regional de Dilermando Reis. Apesar de ainda não ser propriamente um especialista em cavaquinho(…)ficou treinando durante toda a tarde e a noite, para o teste na manhã seguinte. Foi aprovado sem dificuldades”(CAZES, 1998, p. 105).

Daí em diante Waldir construiu uma carreira paralela e oposta à de Jacob em termos de inserção no chamado mercado da música. Com a saída de Jacob do Bandolim da gravadora Continental, Waldir Azevedo foi convidado para substituí-lo, onde fez uma carreira recheada de sucessos.

“(…) surgia a retumbante melodia de “Brasileirinho” – cuja primeira parte é tocada praticamente em uma corda só – seguido de “Delicado” e “Pedacinho do Céu”. O êxito comercial de Waldir Azevedo foi tanto que no ano de 1951 ganhou o título de “Rei do Disco”, por ter atingido a marca de mais de 400.000 exemplares vendidos – um feito raro para um compositor de choro! A fama fez do carioca um personagem internacional, que correu o mundo com sua linguagem comunicativa.” (DINIZ, 2003, P. 37).

Essa contradição vivenciada pelos chorões, a exemplo do “embate” de Jacob e Waldir Azevedo, revela um dos efeitos da Indústria Cultural no meio chorístico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Todo esse conflito de caráter aparentemente só mercadológico, alimentado pelos interesses de rádios e gravadoras, não revelam por si o debate interno que os músicos e estudiosos travaram e ainda travam no bojo do movimento chorístico, sobre a incorporação ou não das inovações tecnológicas advindas com a implantação da industria cultural no Brasil.

Esse debate tem produzido repercussões decisivas e vital no caráter estilístico do Choro, à medida que isso produz dois discursos e consequentemente a convivência de estilos diferentes de fazer Choro. Um de resistência e fidelidade ao gênero, naquilo que consideram um estilo consagrado, definido, cristalizado, clássico do choro; o outro de abertura ao novo, de perceber que o choro como fenômeno cultural continua produzindo e sendo fruto de mediações, de trocas simbólicas em determinados contextos sociais. Esse processo todo vai se acentuando à medida que o processo tecnológico se intensifica.

A partir dos anos 80, a despeito do pouco espaço na mídia, ou de um espaço residual, o Choro continua interagindo no processo musical brasileiro. Mas esse é um período especial sobre o qual caberia um capítulo “à parte”, posto que a retomada com maior força do Choro nesse período trouxe transformações profundas para o gênero em todos os aspectos.

Assim as inovações tecnológicas no Choro, enquanto fenômeno cultural, desde o seu surgimento até o advento da indústria cultural, produziram efeitos, mudanças e transformações, que garantiram sua existência não só como receptor desse processo, mas também como fornecedor de inovações, técnicas e tecnologias. Que o diga o Música Popular Brasileira.

[trecho de artigo escrito por ocasião do curso de pós-graduação em gestão cultural na Faculdade São Luís]

Caros amigos

A partir de hoje vamos iniciar aqui, neste espaço, uma conversa sobre o panorama da Música Brasileira. Com especial atenção para o Choro, principal linguagem instrumental brasileira. Como estamos situados no Maranhão, estado de enorme diversidade musical, claro que vamos privilegiar a produção da nossa terra, mas abertos à produção nacional e internacional.

Será um espaço também para divulgação do que vai rolar aos domingos no nosso programa Chorinhos e Chorões, sempre às 9 da manhã pela rádio Universidade FM – 106,9 MHz.

Vamos também publicar aqui alguns artigos que já circularam antoriormente nos meios de comunicação da Ilha, no sentido de socializar nossas reflexões sobre música, direitos humanos, cidadania, etc.

Tomara que você goste.