Há uns três anos, como parte de minhas tarefas laborais na Cáritas Brasileira, organização em que trabalho, desenvolvendo ações de formação e mobilização para conquista de políticas públicas junto a grupos populares e comunidades Maranhão adentro, publiquei um pequeno texto sobre a temática e sua relação com a prática evangélica e a política.
A propósito dos acontecimentos eleitorais, quando houve um intenso debate sobre política e fé, participação de religiosos nas eleições, difamações, manipulações, má fé, dolo, continuo achando ser a política também o caminho do testemunho de fé, obra, justiça e verdade.
Passadas as eleições, padres, pastores, irmãos e irmãs, e agora? Só daqui a dois anos de novo?
Republico aqui o texto a que me referi acima. Espero poder contribuir com essa reflexão, o mínimo que seja.
POLÍTICAS PÚBLICAS, CAMINHO PARA SOLIDARIEDADE, JUSTIÇA E PAZ
Por Ricarte Almeida Santos[1]
Nos últimos tempos – tempos de guerra no mundo, de violência nas cidades e no campo, tempos de miséria, de fome – temos ouvido muito falar de paz.
A sociedade parece estar assustada com a escalada da violência no Brasil e no Mundo. Mas, parece pouco preocupada com o agravamento das desigualdades sociais.
Parece até que uma coisa nada tem a ver com a outra. Será ? Será que os promotores da guerra no planeta não estão por traz da orientação da economia e do chamado “desenvolvimento”? Dos grandes projetos, geradores de grandes cifras, mas promotores de grandes impactos ambientais, de exclusão, de desestruturação social e cultural, causadores de miséria e violência?
O Brasil, mesmo sendo uma das dez maiores economias do mundo, portanto grande exportador de soja, carne, minério de ferro, alumínio, etc, possui talvez a mais injusta distribuição de renda do planeta.
Daí se explica por que tanta miséria, tanta fome e tanta violência em nosso país. É que só um pequeno grupo se aproveita das riquezas que por aqui se produz. Enquanto a maioria da população fica a mercê da “sorte”, criando a ambiência favorável a todo o tipo de violência. Uma vez que suas necessidades de moradia, alimentação, educação, saúde, saneamento, proteção à infância e à maternidade não são garantidas pelo Estado.
Talvez fosse bom refletir sobre o tipo de paz que queremos. Seria uma paz abstrata, vazia, com a fome na maioria dos lares?; com todos vestidos de camisetas brancas, ainda que o latifúndio continue a fazer vítimas?; ainda que o trabalho escravo seja uma realidade em pleno século XXI ?
É possível ter paz com crianças nas ruas, dormindo ao relento, sendo fulminadas pelo nosso olhar de indiferença ou de medo? É possível ter paz onde não há justiça?
Ou seria uma paz com igualdade entre as pessoas, com distribuição das riquezas, com garantia de direitos, com oportunidades de trabalho para todos e todas? Talvez, também, esse não seja o caminho mais fácil.
Porém, é o caminho da solidariedade. A promoção da paz não deve ser papel de uma única pessoa. A paz não se dá por imposição, nem por decreto. A paz é fruto da justiça. A paz deve ser construída por todos e por todas.
Então, qual o nosso papel enquanto cristãos? Como vamos garantir a partilha das riquezas? Como promover a paz com justiça?
O caminhos da paz passa pela participação solidária de homens e mulheres, de crianças, adolescentes e adultos, passa pela organização e mobilização social para a garantia dos direitos individuais e coletivos.
A Constituição Federal de 88, que é fruto da luta e da organização popular, diz em seu artigo 6º, que o Estado Brasileiro tem o dever de garantir os direitos sociais a toda a população. E que esses direitos são “a educação, a saúde, a assistência social, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados”.
Esses direitos garantidos pelo Estado, é o que chamamos de Políticas Públicas. São chamadas de Políticas Públicas por que se destinam a toda a sociedade, indistintamente. E são de responsabilidade dos Governos e do povo organizado. É a Constituição que garante a participação popular na definição e no controle das políticas e orçamentos públicos. Afinal, é o dinheiro do povo que deve retornar para o bem-estar do povo. Enfim, é a maneira que se tem de partilhar as riquezas, como é da vontade de Deus.
Jesus disse: “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (João 10,10).
Já a leitura do Êxodo 18, 13 a 23, reflete a necessidade da partilha, também, do poder com o povo. Quando Moisés estava assoberbado diante da multidão, sem saber o que fazer, foi convidado a dividir o poder com o povo “ (…) representa o povo diante de Deus, e apresenta as suas causas junto de Deus. Ensina-lhes os estatutos e as leis, faze-lhe conhecer o caminhos a seguir(…) Mas escolhe do meio do povo homens capazes, tementes a Deus, seguros, incorruptíveis e, estabelece-os como chefes de mil, de cem, de cinqüenta e de dez(…) assim será mais leve para ti, e eles levarão a carga contigo(…)”
Assim deverá ser nos dias de hoje. O povo deve tomar parte do poder, a ocupar o seu espaço, a interferir nas políticas públicas, ainda que não seja convidado, conforme garante a Constituição Federal. Chega de governantes salvadores da pátria, populistas, centralizadores e corruptos.
Daí a importância da organização do povo e do conhecimento das Leis, dos Estatutos de cada País, de cada Estado e de cada Município. E aí o povo saberá construir o seu caminho de solidariedade, justiça e Paz.
[1] Ricarte Almeida Santos – é sociólogo, radialista, assessor técnico e membro da coordenação colegiada da Cáritas Brasileira Regional Maranhão e integra a Coordenação da Rede de Intervenção em Políticas Públicas-RIPP.
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