Arquivo do mês: maio 2009

A musical Viana

Há muito que a cidade de Viana me chama a atenção. E não é só por sua beleza arquitetônica, nem tão somente pela bela paisagem natural que a rodeia, cheia de verdes campos e lindos lagos. Embora esses dois atributos já fossem suficientes para despertar uma atenção especial em qualquer alma sensível. Mas o que também me chama muito a atenção em Viana é a musicalidade de sua gente.

É impressionante a quantidade de grandes músicos, instrumentistas, cantores, compositores, alguns renomados, outros anônimos, oriundos da pequena e histórica Viana, nas mais diferentes épocas.E isso fica mais evidente quando o assunto são os músicos de sopro – saxofonistas, clarinetistas, trombonistas, flautistas etc. Eu, como interessado por música instrumental, especialmente pelo Choro no Maranhão, sempre fiquei inquietado por tão expressiva força musical/instrumental daquela centenária Cidade.

Os estudos do saudoso Pe. Mohana já apontavam essa vocação musical de Viana, ainda que muito possa se investigar sobre essa sua característica.

Esta semana, em função das enchentes que assolam o Maranhão, pude visitar a Cidade e, além das ações de socorro aos desabrigados que empreendemos por lá, na condição de integrante da Cáritas Brasileira, pude constatar in loco essas reminiscências musicais de Viana.

Enquanto aguardávamos o carregamento de um caminhão com donativos aos desabrigados de Viana eu pude verificar bem em frente ao Armazém a existência de uma pequena alfaiataria. Tipo de estabelecimento quase em extinção por lá e por aqui. Entrei e puxei conversa com o velho alfaiate, cercado de paletós, calsas, camisas, que lentamente costurava uma nova peça.

Seu Joca, como é conhecido, me revelou que o ofício está quase desaparecendo em Viana, uma vez que os jovens de hoje não têm mais interesse em aprender a arte de costurar. Lamentava ele ao dizer que em outros áureos tempos os inúmeros alfaiates vestiam toda a grã finagem da cidade para os muitos bailes de orquestras que animvam com grande frequência a, então, auspiciosa Viana. Eram muitas as orquestras, diversos eram os mestres de bandas por lá.


[o músico e alfaiate Joca – foto: ricarte]

Seu Joca – na verdade seu nome é João Batista Franco -, neto de Saturnino Franco, antigo clarinetista, com os olhos marejados d’água me confidenciou também ser um músico de sopro. Falou com enorme saudade dos tempos dos muitos bailes que ajudava a animar e vestir, com os dois nobres ofícios que aprendeu. Tocar e costurar.


[uma antiga Orquestra de Viana – S. Joca de camisa listrada – foto da foto: ricarte]

Espalhando sobre a mesa de cortar tecidos diversas fotos antigas de músicos e instrumentistas com quem tocou, me confidenciou com uma ponta de satisfação e bom orgulho, tocar todos os intrumentos de bocal, como trombone, pistom, bombardino, barítono e até tuba.


[roda musical doméstica – S. Joca ao centro(trombone) – foto da foto: ricarte]

Falou sobre alguns músicos importantes da cidade que sempre incentivaram o ensino e a prática da música instrumental, a exemplo do mestre Astolfo, um velho saxofonista e clarinetista ainda vivo e dos professores Tarcísio e João Lobato. Os dois últimos ainda desempenham a tarefa quase missionária do ensino da música em Viana. Daí a continuidade dessa cultura musical na hoje modesta cidade.


[S. Joca (trombone) e o velho mestre Astolfo(sax) – duas gerações musicais de Viana – foto da foto: ricarte]

Outra reminiscência da forte e saudosa musicalidade vianense encontrei bem ao lado da alfaiataria. Uma humilde casinha branca ostenta uma singela placa de metal com os seguintes dizeres: “ACADEMIA VIANENSE DE LETRAS – Neste local existia a casa onde residiu o compositor Temístocles Lima, autor da música do Hino Vianense”. No mínimo, isso tudo revela que essa história de música em Viana tem um valor para sua gente, que é sua própria identidade.


[casa histórica – foto: ricarte]


[placa da casa do maestro Temístocles Lima – foto: ricarte]

Penso ser aquela cidade – e outras da baixada – um acervo, um patrimônio musical preciosíssimo a ser investigado e pesquisado. Será tarefa de todos nós, estudiosos, militantes, músicos, agentes culturais, enfim, de todos os que querem compreender o passado, entender o presente e construir o futuro da nossa música.

As enchentes no Maranhão

Passo a postar dois escritos sobre as cheias no nosso Estado.Um triste Estado. O primeiro texto é uma reflexão que Cáritas, instituição na qual trabalho, propõe frente ao quadro trágico em que vivem milhares de maranhenses todos os anos.

O outro, é um depoimento do pe. José, de uma das paróquias de Codó, relatando a triste e desesperadora situação do município com risco,inclusive, de epidemias. Que Deus nos proteja!

AS ENCHENTES E OS ATINGIDOS PELO “DESENVOLVIMENTO”:
UM GRITO DE SOLIDARIEDADE

O modelo de desenvolvimento em curso no Brasil e no Maranhão tem sacrificado profundamente a sócio-biodiversidade. O destino de grandes glebas de terras e o uso abusivo dos recursos naturais vem sendo a base de fortalecimento para esse modelo, e com isso desencadeando um processo recorrente de destruição tanto no espaço urbano como no rural.

Todos/as têm pago um preço muito alto ante o avanço irrefreável, por exemplo, do agronegócio, especialmente no Maranhão. E a investida do capital é cada vez maior no sentido de ampliar suas áreas de atuação. Os impactos por conta disso já são violentamente sentidos.

Se já não bastasse a expulsão dos trabalhadores e trabalhadoras de suas terras para dar lugar às monoculturas de soja, eucalipto, cana de açúcar, dentre outras culturas-“moda”, no bojo da discussão dos agrocombustíveis; se não bastasse o Maranhão ser o maior fornecedor de mão de obra escrava do país; de ostentar graves indicadores de violência doméstica, de exploração sexual infanto-juvenil, da vulnerabilidade de grande parte de sua população, como consequência do atual modelo (de desenvolvimento) econômico, agora outra face dos impactos ambientais se aprofunda a cada ano – com grandes variações pluviométricas provocando as enchentes, aumento na temperatura ambiental, períodos prolongados de estiagem na Amazônia etc.

São as enchentes que atingem violentamente milhares de maranhenses. Já são mais de 130 mil atingidos pelas fortes chuvas.(são mais de 25 mil desalojados e mais de 22 mil desabrigados, mais de 1500 km de estradas atingidos e seis óbitos em todo o estado). Existe ainda a ameaça de rompimento da Barragem do Flores que aprofundaria mais ainda o quadro, caso suas comportas não suportem a força das águas. E aí o tamanho da tragédia seria imprevisível.

A cada ano o quadro se agrava. Isso nos mostra que o nível dos impactos são crescentes e acumulativos. Isso nos revela também que medidas paliativas, imediatistas, assistenciais e emergenciais embora importantes, necessárias e urgentes, não são suficientes para resolver os problemas causados anualmente pelas cheias dos principais rios que cortam o Maranhão.

O nosso esforço tem que ser também na perspectiva dos Direitos Humanos. E nesse sentido a busca de diálogo extrapola as ações de socorro imediato. O poder público precisa responder com ações concretas de efetivação do direito à moradia digna, de ações preventivas e estruturantes. E para isso necessita ser provocado, demandado. A mobilização social para o controle e incidência política deve ser, também, nossa estratégia.

Nesse sentido, precisamos envolver, inclusive, o Ministério Público, os órgãos de controle ambiental, o poder executivo nas três esferas, e a sociedade civil para uma grande mobilização e reflexão, visto que, se o curso dos grandes projetos continuarem na mesma velocidade, as tragédias serão cada vez maiores, previsíveis anunciadas anualmente. E quem mais sofre com elas são as populações mais empobrecidas, que são mais vulneráveis. E há até quem possa ganhar com isso.

No entanto, o quadro atual é muito grave e urgente. As necessidades dos nossos irmãos e irmãs atingidos pelas cheias no Maranhão são muitas. Precisamos, como Igreja de Deus, nos mobilizar para junto construirmos saídas de superação do atual quadro. A situação dos abrigos abarrotados de homens, mulheres, jovens, crianças e idosos em condições precárias de higiene, é ambiente propício para a proliferação de doenças respiratórias, de pele, e até de epidemias. Já são comuns ataques de animais peçonhentos dentro das casas, enfim, são graves e variados os problemas enfrentados pelos desabrigados/as.

Além do socorro imediato, pois na emergência não se pode esperar, é preciso também lutar por políticas públicas efetivas para as populações atingidas. Cobrar das autoridades a aplicação correta dos donativos e recursos públicos destinados aos atendimentos.

Além dos centros urbanos a destruição acontece também nas comunidades rurais deixando as famílias completamente desabastecidas de alimentos e sem perspectivas de produção, comprometendo a segurança alimentar. É necessário desenvolver projetos produtivos para os/as agricultores/as que tiveram sua produção perdida com as cheias, dentre outras ações de apoio e amparo imediato. Ações de organização dos atingidos, inclusive para controle social dos recursos públicos (que podem ser manipulados e desviados por maus gestores públicos), gerando assim protagonismo, autonomia, conquista e efetivação dos Direitos

Cáritas Brasileira Regional Maranhão

ENCHENTES!

Queridos Amigos(as) e Irmãos(ãs),

Aqui algumas notícias e fotos sobre as enchentes no Nordeste, especialmente na nossa cidade de Codó e na Paróquia São Raimundo.
A água do rio subiu tanto que cobriu até casas inteiras, que antes estavam distantes da água. A primeira enchente aconteceu dia 21 a 24 de Abril. A água subiu muito, invadiu casas no bairro Santo Antônio, mas a situação ainda foi controlada. Devido às contínuas chuvas, o rio subiu ainda muito mais na noite de 3 a 4 de Maio. Aí virou caos mesmo. Muitas ruas inundadas, milhares de pessoas desabrigadas. O total em Codó: 889 famílias e 3.206 pessoas desabrigadas. Destas, 58 famílias e quase 300 pessoas estão hospedadas nas creches e centros da nossa Paróquia São Raimundo. Também a família do nosso Diácono Francisco (O Juninho) precisava ser evacuada. Graças a Deus não sofreu doenças e grandes prejuízos. Danificou um pouco a casa.

Os carros da comunidade que ajudaram gratuitamente (junto com a nossa Toyota da Paróquia São Raimundo) e os carros da Prefeitura nem deram conta. Muita gente perdeu muitas coisas: camas, armários, colchões, TV, a produção de arroz do ano passado e outros. Graças a Deus as famílias são pobres, neste sentido que as poucas coisas que tem cabem facilmente em cima de um carrinho ou então na nossa Toyota. E foi tudo muito rápido. Onde pouco tempo antes circulavam ainda motos, bicicletas e carros, andaram agora lanchas e barcas. Os nossos jovens e outros carregaram voluntariamente e gratuitamente o dia todo as coisas das pessoas, caminharam longos trechos nas “ruas”, até com a água no pescoço, porque os veículos não puderam mais entrar. Salvaram o que conseguiram.

O que agrava a nossa situação é o fato de que o rio Itapecuru estar ligado com um brejo com água parada. A água do rio subiu e conseqüentemente também do brejo. Aí tem muitas casas na beira do brejo. Toda a área está sem esgoto, isto é, cada um tem a sua fossa no quintal e joga o lixo no brejo no fundo do quintal. A enchente cobriu as fossas e levou toda a sujeira de anos acumulada para dentro das casas e nas ruas. Muita gente que tinha contato com a água está com micoses, coceiras, febre e calafrios. O grande perigo é agora toda esta situação provocar epidemias descontroladas.

Diariamente visitamos as vitimas das enchentes nos nossos centros da Paróquia. Cada história é emocionante. Hoje me contou uma mulher que casou na igreja (inclusive fui eu que fiz o casamento) e o marido foi para São Paulo trabalhar para poderem construir a sua casa em Codó. Mas ele se amigou com outra e nem quer saber mais nada da mulher dele em Codó. Ela então cria os filhos dela sozinha. A filha mais velha dela, solteira, morreu dois anos atrás e deixou mais cinco filhos pequenos. Junto com os dela mesma são 10. A mulher se vira, é trabalhadora, vende verduras no mercado. Trabalho duro, mas dá para sobreviver. Morava em casa alugada. A casa foi agora totalmente destruída pelas enchentes. O dono não quer mais construí-la. Armário, roupas e redes foram levados pelas águas. “Onde morar agora, viver de que,” ela lamentou. Na prefeitura ela já foi, pedindo uma casa nova. A prefeitura prometeu de construir, mas isso vai levar meses. Onde morar então? – São casos e histórias que tocam no coração da gente.

As famílias estão agradecidas por poderem estar e se hospedar no nosso centro por tempo indeterminado e receber ajuda de várias pessoas.
A água está abaixando, devagar. E agora se vêem os estragos e danos: muros e paredes caídos, das casas de taipa somente sobrou a estrutura de madeira, todo o barro se foi embora, buracos enormes nas ruas, uma catinga insuportável. Sujeira e merda nas casas e ruas e perigo de epidemias. O segundo choque depois das enchentes será aquele quando as pessoas querem voltar para as suas casas e as encontram em parte ou totalmente destruídas.

Finalmente três observações:
1. Enchentes destroem, solidariedade salva. Solidariedade é a palavra e atitude principal neste tempo, sem sentimentalismo. Não falar muito e sim fazer: Entrar na lama, na água suja, ajudar, carregar coisas e pessoas. Assim vive a igreja, assim se aliviam sofrimentos, renascem esperanças, assim se carregam juntos preocupações e dores.

2. Totalmente ao contrário aos nossos irmãos crentes. Parece para eles só conta a oração. Perguntaram eles se famílias pudessem se hospedar na igreja deles. Negaram dizendo que a igreja deles é casa de oração e não de hospedagem. – Cadê a solidariedade? “O que fizeram a um destes pequeninos foi a mim que fizeram.” Eu me sinto bem na nossa igreja!

3. Várias pessoas me disseram: “Isso acontece porque Deus quis!” Eu me revoltei: Deus não quis, isto é fruto do pecado, da ganância do homem. É ele que maltrata a irmã natureza, desmata, polui ar e águas, é responsável pelo aquecimento global. A natureza não aquenta e responde. Se o homem a respeitasse como obra de Deus e tratasse com carinho, ela teria também carinho conosco e nos servia com alegria. – E Deus só quer o nosso bem, ele não castiga e nem mente. Ele prometeu no seu filho Jesus: “Eu sou o Bom Pastor, eu dou a minha vida pelas ovelhas.” Tudo por amor. Talvéz a nossa comunidade possa um pouco testemunhar esta face de Deus nestes dias.

Codó, 07 de Maio de 2009

Pe. José Wasensteiner

[fotos enviadas pelo pe. José]