Arquivo do mês: junho 2009

O Bar do Léo ameaçado de sumir do mapa


foto: Rivânio Almeida Santos

As cidades sempre têm alguns recantos boêmios onde os intelectuais, artistas, políticos e cidadãos/ãs comuns se encontram para bate-papo e outros fins. São músicos interessados em novidades na área, poetas em busca de inspiração, artistas plásticos, pensando as tendências e mudanças na estética artística, articuladores políticos, que se encontram na costura de seus acertos e conchavos. Pessoas simples, trabalhadores que se encontram para uma boa conversa de amigos, ouvir uma música rara ou antiga.

Todos, quase sempre, também interessados em degustar uma boa cerveja, quitutes e outras iguarias. De modo que alguns desses espaços fazem parte da vida das cidades de forma muito marcante. Assumem um valor simbólico e de interação social e cultural que extrapola o mero conversê, a mera bebericagem tão comuns nesses recantos. Incutem novos valores, novos padrões culturais, agregam valor a um bairro e até a uma cidade.

No Maranhão poderíamos lembrar de vários cantos assim com essa simbologia e significação. Um dos mais importantes, algumas décadas atrás, a Movelaria Guanabara, na Rua do Sol, cumpriu um papel destacado no campo das artes pláticas. Os encontros, debates e exposições que lá ocorriam serviram para incutir novos rumos nas artes plásticas do Maranhão.

O Moto Bar, no Largo do Carmo, também teve seus momentos de glória como espaço charmoso de boemia e grandes encontros.

Mais recentemente, há pelo menos 15 anos, o Bar do Léo, no Horto do Vinhais, antiga Cobal, vem cumprindo um papel da maior relevância para aquele entreposto, uma vez que o charme e o zelo do espaço agrega um valor extraordinário àquele mercado. O único horto em pleno funcionamento ainda em São Luís. Em parte, em função do papel chamativo que aquele Bar exerce alí. O Bar do Léo, hoje não é só um bar, ou ponto de encontro de amigos. Vai muito além.

Hoje aquele espaço cumpre um papel que nem mesmo o Estado por aqui tem cumprido. Um espaço de preservação e inovação artístico-cultural. É, são coisas complementares, indissociáveis, apesar de alguns acharem que são inconciliáveis. O Bar do Léo reúne seguramente o maior acervo de música brasileira do Maranhão, quiçá, do Brasil, entre relíquias em milhares de fitas k7, LP’s, 78 rotações, rolos e cd’s, e lançamentos da fina flor da nossa música. E nesse aspecto o Léo é exigente.

Expõe em suas paredes, tetos e prateleiras, entre centenas de fotografias, gravuras e outras pinturas, uma plural coleção de peças e apetrechos da rica cultura popular brasileira e maranhense. Objetos da cultura indígena, quinquilharias do cotidiano do homem do campo, coisas da floresta, como cipós, vagens e outras espécies raras.


foto: Fafá

Tudo isso convivendo em perfeita conciliação com objetos e exemplares do avanço tecnológico e comunicacional do homem. São antigos e diferentes modelos de telefones; rádios e televisões dos mais variados formatos e épocas; velhas vitrolas, desde gramophones, pequenas radiolas philips à pilha, outras de inúmeros modelos e marcas, até exemplares mais modernos, nos quais Léo toca seus cd’s, para o deleite de seus frequentadores.


foto: Rivânio Almeida Santos

E não é só. Não dá para lembrar e descrever à distancia a diversidade do rico acervo cultural daquele belo museu.

O Bar do Léo é hoje um espaço de encontro, enriquecimento cultural e artístico e até de compreensão do desenvolvimento histórico de nossa gente. E isso não é pouco. É tanto que aquele aprazível logradouro musicultural já foi objeto de várias matérias e reportagens locais e nacionais. Algumas das mais importantes revistas e televisões nacionais ja noticiaram o Bar do Léo como algo de um valor ímpar e de profundo significado para a nossa cidade e estado.

Pois não é que agora, movido por não sei lá quais interesses, o governo do Maranhão decidiu não mais renovar o contrato de cessão e uso do espaço onde funciona o referido museu, digo, Bar do Léo?

O ocupante do pomposo cargo de “Supervisor de Gestão de Bens Terceirizados”, da Secretaria de Estado de Administração e Previdência Social, acatando parecer de um Procurador do Estado, Raimundo Soares de Carvalho, está procedendo os encaminhamentos para a efetivação da retirada do Bar do Léo e a consequente licitação do Espaço. Argumentam que o Bar do Léo foge às finalidades contratuais/estatutárias, sei lá o quê.

Leia trechos do parecer do douto Procurador: “(…) contrários à prorrogação (…) e recomendamos que à Administração (…) promova a recisão de contrato (…) instaurando a seguir procedimento licitatório para transferência da posse do imóvel (…)”.

Esse legalismo morto, sem sentido para a vida e para a cultura, que pode até mesmo inviabilizar o horto-mercado do Vinhais, aparentemente pode parecer algo direcionado ao Bar do Léo. Mas ele pode ser tão somente o bode espiatório para ocultar outros interesses.

Um amigo me chamava a atenção: a corrida imobiliária está desencadeando junto a grupos poderosos interesses econômicos importantes na Ilha. As mudanças e investimentos na cidade alteram e revalorizam espaços e regiões da cidade. A especulação imobiliária sempre tira proveito. E os interesses econômicos sempre muito bem situados politicamente não perdem oportunidade de colocar o público a serviço do privado.

O Bar do Léo se situa numa área de grande crescimento comercial e habitacional de classe média alta. Aquele horto com a finalidade que tem, de agregar pequenos feirantes cooperativados, pode estar com os dias contados. O Léo pode ser apenas o primeiro a sair, para decretar a decadência do lugar.

Quem sabe depois surja alí um belíssimo e asséptico mini-shoping, onde tudo parece a mesma coisa e todo mundo é apenas mais um consumidor.

Pode ser assim?

O texto (sobre Sarney) que gostaria de ter escrito

Sabe aquele filme que gostaríamos de ter dirigido; aquela música que gostaríamos de ter sido o autor, enfim. Sabe aquele texto que gostaríamos de escrever?

Bom, o texto eu acabei de encontrar: “Sarney, o homem incomum”, do jornalista Leandro Fortes. Fortes, com uma verve navalhar afiadíssima, chama atenção para o tratamento que a grande mídia, especialmente a brasiliense, dedica a Sarney, como uma espécie rara de ser. Um homem cheio de boas virtudes. Bom orador, um literato, portador de grande capacidade de negociação e ponderação.

Leandro Fortes vai categoricamente desmontando essa aura de superioridade, contrastando-a com a miséria que grassa o Maranhão nas mais de quatro décadas de mando saneysista; com o esquema montado nas estruturas do Estado para favorecimento pessoal, familiar e dos apaniguados.

Por fim, Fortes lembra o caso do Juiz Jorge Moreno, defenestrado de suas funções judicantes por contrariar o grupo político do grande oligarca. Outra face do “estadista” de Curupu.

Sarney, o homem incomum
por Leandro Fortes

Há anos, nem me lembro mais quantos, os principais colunistas e repórteres de política do Brasil, sobretudo os de Brasília, reputam ao senador José Sarney uma aura divinal de grande articulador político, uma espécie de gênio da raça dotado do dom da ponderação, da mediação e do diálogo. Na selva de preservação de fontes que é o Congresso Nacional, estabeleceu-se entre os repórteres ali lotados que gente como Sarney – ou como Antonio Carlos Magalhães, em tempos não tão idos – não precisa ser olhada pelas raízes, mas apenas pelas folhagens. Esse expediente é, no fim das contas, a razão desse descolamento absurdo do jornalismo brasiliense da realidade política brasileira e, ato contínuo, da desenvoltura criminosa com que deputados e senadores passeiam por certos setores da mídia.

Olhassem Sarney como ele é, um coronel arcaico, chefe de um clã político que há quatro décadas domina a ferro e fogo o Maranhão, estado mais miserável da nação, os jornalistas brasileiros poderiam inaugurar um novo tipo de cobertura política no Brasil. Começariam por ignorar as mentiras do senador (maranhense, mas eleito pelo Amapá), o que reduziria a exposição de Sarney em mais de 90% no noticiário nacional. No Maranhão, a família Sarney montou um feudo de cores patéticas por onde desfilam parentes e aliados assentados em cargos públicos, cada qual com uma cópia da chave do tesouro estadual, ao qual recorrem com constância e avidez. O aparato de segurança é utilizado para perseguir a população pobre e, não raras vezes, para trucidar opositores. A influência política de Sarney foi forte o bastante para garantir a derrubada do governador Jackson Lago, no início do ano, para que a filha, Roseana, fosse reentronizada no cargo que, por direito, imaginam os Sarney, cabem a eles, os donatários do lugar.

José Sarney é uma vergonha para o Brasil desde sempre. Desde antes da Nova República, quando era um político subordinado à ditadura militar e um representante mais do que típico da elite brasileira eleita pelos generais para arruinar o projeto de nação – rico e popular – que se anunciava nos anos 1960. Conservador, patrimonialista e cheio dessa falsa erudição tão típica aos escritores de quinta, José Sarney foi o último pesadelo coletivo a nós impingido pela ditadura, a mesma que ele, Sarney, vergonhosamente abandonou e renegou quando dela não podia mais se locupletar. Talvez essa peculiaridade, a de adesista profissional, seja o que de mais temerário e repulsivo o senador José Sarney carregue na trouxa política que carrega Brasil afora, desde que um mau destino o colocou na Presidência da República, em março de 1985, após a morte de Tancredo Neves.

Ainda assim, ao longo desses tantos anos, repórteres e colunistas brasileiros insistiram na imagem brasiliense do Sarney cordial, erudito e mestre em articulação política. É preciso percorrer o interior do Maranhão, como já fiz em algumas oportunidades, para estabelecer a dimensão exata dessa visão perversa e inaceitável do jornalismo político nacional, alegremente autorizado por uma cobertura movida pelos interesses de uns e pelo puxa-saquismo de outros. Ao olhar para Sarney, os repórteres do Congresso Nacional deveriam visualizar as casas imundas de taipa e palha do sertão maranhense, as pústulas dos olhos das crianças subnutridas daquele estado, várias gerações marcadas pela verminose crônica e pela subnutrição idem. Aí, saberiam o que perguntar ao senador, ao invés de elogiar-lhe e, desgraçadamente, conceder-lhe salvo conduto para, apesar de ser o desastre que sempre foi, voltar à presidência do Senado Federal.

Tem razão o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao afirmar, embora pela lógica do absurdo, que José Sarney não pode ser julgado como um homem comum. É verdade. O homem comum, esse que acorda cedo para trabalhar, que parte da perspectiva diária da labuta incerta pelo alimento e pelo sucesso, esse homem, que perde horas no transporte coletivo e nas muitas filas da vida para, no fim do mês, decidir-se pelo descanso ou pelas contas, esse homem comum é, basicamente, honesto e solidário. Sarney é o homem incomum. No futuro, Lula não será julgado pela História somente por essa declaração infeliz e injusta, mas por ter se submetido tão confortavelmente às chantagens políticas de José Sarney, a ponto de achá-lo intocável e especial. Em nome da governabilidade, esse conceito em forma de gosma fisiológica e imoral da qual se alimenta a escória da política brasileira, Lula, como seus antecessores, achou a justificativa prática para se aliar a gente como os Sarney, os Magalhães e os Jucá.

Pelo apoio de José Sarney, o presidente entregou à própria sorte as mais de seis milhões de almas do Maranhão, às quais, desde que assumiu a Presidência, em janeiro de 2003, só foi visitar esse ano, quando das enchentes de outono, mesmo assim, depois que Jackson Lago foi apeado do poder. Teria feito melhor e engrandecido a própria biografia se tivesse descido em São Luís para visitar o juiz Jorge Moreno. Ex-titular da comarca de Santa Quitéria, no sertão maranhense, Moreno ficou conhecido mundialmente por ter conseguido erradicar daquele município e de regiões próximas o sub-registro civil crônico, uma das máculas das seguidas administrações da família Sarney no estado. Ao conceder certidão de nascimento e carteira de identidade para 100% daquela população, o juiz contaminou de cidadania uma massa de gente tratada, até então, como gado sarneyzista. Por conta disso, Jorge Moreno foi homenageado pelas Nações Unidas e, no Brasil, viu o nome de Santa Quitéria virar nome de categoria do Prêmio Direitos Humanos, concedido anualmente pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República a, justamente, aqueles que lutam contra o sub-registro civil no País.

Em seguida, Jorge Moreno denunciou o uso eleitoral das verbas federais do Programa Luz Para Todos pelos aliados de Sarney, sob o comando, então, do ministro das Minas e Energia Silas Rondeau – este um empregado da família colocado como ministro-títere dentro do governo Lula, mas de lá defenestrado sob a acusação, da Polícia Federal, de comandar uma quadrilha especializada em fraudar licitações públicas. Foi o bastante para o magistrado nunca mais poder respirar no Maranhão. Em 2006, o Tribunal de Justiça do Maranhão, infestado de aliados e parentes dos Sarney, afastou Moreno das funções de juiz de Santa Quitéria, sob a acusação de que ele, ao denunciar as falcatruas do clã, estava desenvolvendo uma ação político-partidária. Em abril passado, ele foi aposentado, compulsoriamente, aos 42 anos de idade. Uma dos algozes do juiz, a corregedora (?) do TRE maranhense, é a desembargadora Nelma Sarney, casada com Ronaldo Sarney, irmão de José Sarney.

Há poucos dias, vi a cara do senador José Sarney na tribuna do Senado. Trêmulo, pálido e murcho, tentava desmentir o indesmentível. Pego com a boca na botija, o tribuno brilhante, erudito e ponderado, a raposa velha indispensável aos planos de governabilidade do Brasil virou, de um dia para a noite, o mascate dos atos secretos do Senado. Ao terminar de falar, havia se reduzido a uma massa subnutrida de dignidade, famélica, anêmica pela falta da proteína da verdade. Era um personagem bizarro enfiado, a socos de pilão, em um jaquetão coberto de goma.

Na mesma hora, pensei no povo do Maranhão.