As cidades sempre têm alguns recantos boêmios onde os intelectuais, artistas, políticos e cidadãos/ãs comuns se encontram para bate-papo e outros fins. São músicos interessados em novidades na área, poetas em busca de inspiração, artistas plásticos, pensando as tendências e mudanças na estética artística, articuladores políticos, que se encontram na costura de seus acertos e conchavos. Pessoas simples, trabalhadores que se encontram para uma boa conversa de amigos, ouvir uma música rara ou antiga.
Todos, quase sempre, também interessados em degustar uma boa cerveja, quitutes e outras iguarias. De modo que alguns desses espaços fazem parte da vida das cidades de forma muito marcante. Assumem um valor simbólico e de interação social e cultural que extrapola o mero conversê, a mera bebericagem tão comuns nesses recantos. Incutem novos valores, novos padrões culturais, agregam valor a um bairro e até a uma cidade.
No Maranhão poderíamos lembrar de vários cantos assim com essa simbologia e significação. Um dos mais importantes, algumas décadas atrás, a Movelaria Guanabara, na Rua do Sol, cumpriu um papel destacado no campo das artes pláticas. Os encontros, debates e exposições que lá ocorriam serviram para incutir novos rumos nas artes plásticas do Maranhão.
O Moto Bar, no Largo do Carmo, também teve seus momentos de glória como espaço charmoso de boemia e grandes encontros.
Mais recentemente, há pelo menos 15 anos, o Bar do Léo, no Horto do Vinhais, antiga Cobal, vem cumprindo um papel da maior relevância para aquele entreposto, uma vez que o charme e o zelo do espaço agrega um valor extraordinário àquele mercado. O único horto em pleno funcionamento ainda em São Luís. Em parte, em função do papel chamativo que aquele Bar exerce alí. O Bar do Léo, hoje não é só um bar, ou ponto de encontro de amigos. Vai muito além.
Hoje aquele espaço cumpre um papel que nem mesmo o Estado por aqui tem cumprido. Um espaço de preservação e inovação artístico-cultural. É, são coisas complementares, indissociáveis, apesar de alguns acharem que são inconciliáveis. O Bar do Léo reúne seguramente o maior acervo de música brasileira do Maranhão, quiçá, do Brasil, entre relíquias em milhares de fitas k7, LP’s, 78 rotações, rolos e cd’s, e lançamentos da fina flor da nossa música. E nesse aspecto o Léo é exigente.
Expõe em suas paredes, tetos e prateleiras, entre centenas de fotografias, gravuras e outras pinturas, uma plural coleção de peças e apetrechos da rica cultura popular brasileira e maranhense. Objetos da cultura indígena, quinquilharias do cotidiano do homem do campo, coisas da floresta, como cipós, vagens e outras espécies raras.
Tudo isso convivendo em perfeita conciliação com objetos e exemplares do avanço tecnológico e comunicacional do homem. São antigos e diferentes modelos de telefones; rádios e televisões dos mais variados formatos e épocas; velhas vitrolas, desde gramophones, pequenas radiolas philips à pilha, outras de inúmeros modelos e marcas, até exemplares mais modernos, nos quais Léo toca seus cd’s, para o deleite de seus frequentadores.
E não é só. Não dá para lembrar e descrever à distancia a diversidade do rico acervo cultural daquele belo museu.
O Bar do Léo é hoje um espaço de encontro, enriquecimento cultural e artístico e até de compreensão do desenvolvimento histórico de nossa gente. E isso não é pouco. É tanto que aquele aprazível logradouro musicultural já foi objeto de várias matérias e reportagens locais e nacionais. Algumas das mais importantes revistas e televisões nacionais ja noticiaram o Bar do Léo como algo de um valor ímpar e de profundo significado para a nossa cidade e estado.
Pois não é que agora, movido por não sei lá quais interesses, o governo do Maranhão decidiu não mais renovar o contrato de cessão e uso do espaço onde funciona o referido museu, digo, Bar do Léo?
O ocupante do pomposo cargo de “Supervisor de Gestão de Bens Terceirizados”, da Secretaria de Estado de Administração e Previdência Social, acatando parecer de um Procurador do Estado, Raimundo Soares de Carvalho, está procedendo os encaminhamentos para a efetivação da retirada do Bar do Léo e a consequente licitação do Espaço. Argumentam que o Bar do Léo foge às finalidades contratuais/estatutárias, sei lá o quê.
Leia trechos do parecer do douto Procurador: “(…) contrários à prorrogação (…) e recomendamos que à Administração (…) promova a recisão de contrato (…) instaurando a seguir procedimento licitatório para transferência da posse do imóvel (…)”.
Esse legalismo morto, sem sentido para a vida e para a cultura, que pode até mesmo inviabilizar o horto-mercado do Vinhais, aparentemente pode parecer algo direcionado ao Bar do Léo. Mas ele pode ser tão somente o bode espiatório para ocultar outros interesses.
Um amigo me chamava a atenção: a corrida imobiliária está desencadeando junto a grupos poderosos interesses econômicos importantes na Ilha. As mudanças e investimentos na cidade alteram e revalorizam espaços e regiões da cidade. A especulação imobiliária sempre tira proveito. E os interesses econômicos sempre muito bem situados politicamente não perdem oportunidade de colocar o público a serviço do privado.
O Bar do Léo se situa numa área de grande crescimento comercial e habitacional de classe média alta. Aquele horto com a finalidade que tem, de agregar pequenos feirantes cooperativados, pode estar com os dias contados. O Léo pode ser apenas o primeiro a sair, para decretar a decadência do lugar.
Quem sabe depois surja alí um belíssimo e asséptico mini-shoping, onde tudo parece a mesma coisa e todo mundo é apenas mais um consumidor.
Pode ser assim?