Arquivo do mês: outubro 2012

PARA O CHORO DO MARANHÃO ESPALHAR AS BRASAS MUNDO AFORA!

foto da capa

Caderno de Partituras “Choros Maranhenses”

Por Ricarte Almeida Santos[1]

Há muito que o Choro faz parte da cultura musical do Maranhão. Embora este gênero musical – o primeiro surgido em terras brasileiras, fruto da mistura dos diferentes elementos culturais constituidores da formação do povo brasileiro – tenha nascido, segundo os registros históricos, no Rio de Janeiro, ele carrega consigo um apelo identitário nacional.

Em outras palavras, o Choro expressa um sentimento de identidade, de uma linguagem musical brasileira, uma espécie de idioma instrumental, nessa ampla pluralidade que é esse gigante território de sonoridades e culturas.

De marginal, como fora tratado quando surgiu, desenvolvido por músicos negros, populares, ainda na última metade do século XIX, quando prevalecia o domínio das teorias raciais no país, portanto, de forte carga racista, o Choro  só a partir da segunda década do século XX, é que passa a ser aceito pelos intelectuais e pela sociedade como uma música a ser respeitada e reverenciada, até se tornar, aos poucos, um traço importante na formação de nossa identidade cultural. Mas até aí foi, e tem sido de lá para cá, uma saga hercúlea de afirmação deste gênero musical, tão rico quanto simbólico de nossa identidade musical.

São barreiras que se erguem tanto pelo preconceito, muito mais forte no princípio, quanto pela imposição da lógica de mercado. Esta, mais recente, necessita de produtos culturais de apelo fácil, em vista de ampliar seus lucros em grande velocidade e escala.

O Choro, com toda a sua riqueza, pluralidade e complexidade, não se presta a isso. Daí sua grande dificuldade de sobreviver frente a estratégias mercadológicas vorazes e sequiosas do lucro fácil. Mas ainda assim, o gênero Choro se difunde em todo o Brasil, como algo que faz parte de uma identidade nacional.

Em recente trabalho, intitulado Princípios do Choro, que mais tarde resultou na coletânea Choro Carioca – Música do Brasil, os músicos Maurício Carrilho, Anna Paes e Luciana Rabello, desenvolveram uma pesquisa em todo o país mapeando e registrando em disco a produção chorística do século XIX. Trata-se de um trabalho rico e consistente, que confirma a beleza e a força deste gênero em todas as regiões do Brasil, já naqueles idos tempos.

Segundo Luciana Rabello, “constata-se assim o quanto o choro influenciou não apenas a música carioca, mas também diversos outros gêneros da música brasileira, como o frevo, o baião e o xote nordestinos, por exemplo. Assim como recebeu contribuições importantes da cultura de cada região brasileira, criando assim sotaques diversos”. E o Maranhão integra essa pesquisa com diversas peças chorísticas de refinada elaboração.

Constatação que o pe. João Mohana já fizera, em A Grande Música do Maranhão (1995), quando registrou e catalogou a existência de diversas  composições chorísticas da transição do século XIX para o XX. Em Inventário do Acervo João Mohana (1997), há um vasto acervo de partituras de choros maranhenses, dentre outros gêneros, daqueles primórdios.

De modo semelhante, este Caderno de Partituras “Choros Maranhenses”, iniciativa desenvolvida pelo professor, músico e flautista Zezé Alves, com patrocínio do Banco do Nordeste do Brasil, é um registro de parte da produção chorística maranhense dos anos 1950 (do século XX) para cá.

Nesse intervalo de seis décadas de produção musical, certamente muito se fez em termos de Choro no Maranhão, com consequências balizares para a música maranhense. São diversas gerações de compositores, músicos e instrumentistas que, nesse período, com maior, menor ou nenhuma visibilidade, conseguiram dar continuidade, em terras maranhenses, à prática do Choro, enquanto linguagem musical.

Nomes como José Maria Fontoura, João Carlos de Nazareth, Francisco Solano, Raimundo Luís, Nuna Gomes, José Hemetério, Marcelo  Moreira, Henrique Guimarães, Serra de Almeida, Raimundo Amaral, Francisco de Assis Carvalho da Silva (o Six), Robertinho Chinês, Luiz Júnior, Chico Nô, Domingos Santos, Juca do Cavaco, Josias Sobrinho, Cesar Teixeira, Chico Maranhão, Omar  Cutrim, Zezé Alves, Ubiratan Sousa, Chico Saldanha, dentre outros, integram esse rico Caderno de partituras e ajudam a enriquecer nossa cultura musical.

Esse processo todo, com essas mais diferentes contribuições, evidentemente, tem sido um contributo essencial em toda a produção musical maranhense, oferecendo tanto a base instrumental chorística para a nossa prática instrumental; garantindo elementos estruturantes da formação dos nossos músicos e instrumentistas; como também influenciando esteticamente os nossos compositores, de tal modo que, tanto os chorões assumidos, quanto grande parte dos nossos melhores compositores populares têm em suas obras forte influência do Choro.

É claro que essa iniciativa se reveste de uma importância vital não só para o Choro, mas para toda a nossa cultura musical. Esse Caderno com 37 peças, produzidas dos anos 50 até os dias de hoje, evidentemente, não é tudo. É apenas o começo e mostra a vastidão do que ainda se tem a garimpar em termos de produção do Choro por aqui nas mais diferentes épocas.

Mas identificar, catalogar e registrar peças chorísticas de compositores maranhenses, além de revelar um acervo rico e identitário de nossa produção musical mais contemporânea e seus criadores é, igualmente, a possibilidade de um material agora disponível, a ser explorado pelas atuais e futuras gerações de chorões, instrumentistas, estudiosos e aficionados por boa música brasileira e maranhense.

É, seguramente, algo que transmite de geração em geração, os valores, símbolos e significados do nosso fazer musical e cultural no tempo e na história. Tal perspectiva servirá como fio condutor, veio de afirmação e atualização dessa linguagem musical que é o Choro em território maranhense, bem como poderá oferecer, na dimensão nacional, novos elementos da rítmica e do sotaque musical maranhense, no âmbito da diversidade que é o Choro em todo o Brasil, tornando-o cada vez mais rico e plural.

Este  Caderno de Partituras “Choros Maranhenses”, na verdade, é a retomada com maior volume, em um novo contexto, de uma antiga tentativa, ainda nos anos 90, de registro fonográfico de Choros de compositores maranhenses através do grupo Instrumental Pixinguinha e do programa Chorinhos e Chorões, da rádio Universidade FM. Iniciativa que, na época, esbarrou nas inúmeras dificuldades institucionais e políticas, sobretudo, na absoluta inexistência de políticas públicas de fomento à produção, registro e difusão musical por estas plagas.

Só posteriormente, com a colaboração do professor Marcelo Moreira e de outros integrantes do grupo Instrumental Pixinguinha, que haviam recuperado um conjunto de peças chorísticas de autores maranhenses e a inauguração do estúdio da Escola de Música do Maranhão Lilah Lisboa, foi possível a gravação do cd Choros Maranhenses, do citado instrumental.

Trata-se de um material de qualidade técnica e musical de altíssimo nível e revestido de um valor simbólico e cultural de extraordinário significado. Choros Maranhenses, o cd, além de ser o primeiro disco de Choro no Maranhão, revela sonoramente parte de um grande e rico acervo chorístico, da produção de mestres até então desconhecidos do grande público.

Por outro lado, foi algo instigante e provocador de um novo desafio: este Caderno de Partituras “Choros Maranhenses”, que assume tanto uma perspectiva de continuidade do que lhe antecedeu em termos de registro e difusão do choro, como, igualmente, oferece amplas perspectivas. Possibilidades que podem vir a ser da edição de um novo caderno, de novas pesquisas acerca do Choro no Maranhão, de novos registros fonográficos, documentários, enfim.

Com este Caderno de Partituras “Choros Maranhenses” Zezé Alves bota mais lenha na fogueira do Choro e da nossa diversidade cultural e espalha o fogaréu do Choro Maranhense mundo afora.

O desafio agora é novo, é nosso, é de todos e todas!

Obrigado, mestre Zezé!


[1] Ricarte Almeida Santos é sociólogo e radialista, produtor e apresentador do programa Chorinhos e Chorões da Rádio Universidade FM.