Arquivo do mês: março 2012

EM RESPOSTA A MAX BARROS

por Antonia Mota*

o "Abraço ao Vinhais Velho" manifestação popular de solidariedade

O Secretário de infraestrutura do Governo do Maranhão, Max Barros, em entrevista concedida ao Jornal Pequeno em 25/03/2012, disse que a Via Expressa não vai “descaracterizar o Vinhais Velho”. Segundo o mesmo, todos os cuidados foram tomados no sentido de que não houvesse impacto à igreja tombada, para tanto, foi contratada uma empresa especializada em arqueologia que fará o resgate dos artefatos de valor histórico encontrados no sitio. O Sr. Max Barros disse ainda que apenas oito famílias serão atingidas pela desapropriação e, como reparação, prometeu a revitalização do largo, a construção de um museu e muro para o antigo cemitério. Finalizou a entrevista apontando os benefícios da Via Expressa: que vai desafogar o trânsito na Jerônimo de Albuquerque, ligando importantes áreas da cidade, modernizando São Luís, um presente para seu aniversário de 400 anos.

O Secretário se esqueceu de mencionar que entre as famílias atingidas está a de seu Olegário, dona Vitorinha e dona Babá Ribeiro, e, por conseguinte, de seus filhos, netos e bisnetos, quase sessenta pessoas somente nesta família. Os anciãos, que estão na faixa dos oitenta anos, nasceram e sempre viveram na comunidade; assim como seus ancestrais, que foram enterrados no cemitério da comunidade. Dona Babá Ribeiro foi durante sessenta anos a guardiã do templo religioso fundado na época da vinda dos franceses, em 1612. Perguntamos se este é o pagamento que esta senhora deve receber por uma vida de dedicação à fé cristã, que os moradores de Vinhais Velho herdaram da época dos padres jesuítas, quando estes  estabeleceram a primeiro aldeamento missionário em terras maranhenses?

Manuscritos do século XVIII mostram que a família Ribeiro descende das populações nativas da ilha de Upaon Açu. O missionário francês Claude d’Abeville calculou seu número em doze mil pessoas, espalhadas em vinte sete aldeias. A nação Tupinamba não existe mais, foi dizimada com as armas dos capitães da conquista, a mando da coroa portuguesa. Seus guerreiros foram sumariamente mortos, suas mulheres estupradas e os moços submetidos à escravidão, sujeitados a ser mão-de-obra nas fazendas e engenhos dos colonos. As terras que eles ocupavam mansamente a milhares de anos lhes foram tomadas sem nenhum escrúpulo, com a justificativa de que eram “bárbaros”, como se dizia na época: “sem lei, sem rei, sem Deus”.

A história se repete. O que representa as casas de uma família de pessoas pobres, descendentes de índios, ante o progresso de uma Via Expressa que vai facilitar a vida dos consumidores dos Shoppings-centers da cidade? Para o governo do Estado do Maranhão, nada! Os mais antigos moradores de Vinhais Velho devem deixar suas casas, seus quintais com mata nativa e nascentes de água pura e dar passagem ao Progresso! Novamente a expropriação dos mais fracos! O governo do Estado repete os erros do passado.

Por outro lado, desconhece a força de resistência das pessoas simples, dos oprimidos, dos injustiçados.

A Igreja, o Cemitério, o Porto são a exterioridade material de um patrimônio de valor incalculável: a memória desta cidade, suas tradições, a forma de viver baseada na família, nos laços comunitários. Ameaça-se desta forma os saberes repassados através dos ritos religiosos, das novenas, dos festejos trazidos pelos colonizadores portugueses e que os mais velhos desta comunidade mantiveram intactos! A boa acolhida aos que chegam, o zelo com as crianças, o respeito aos mais velhos, o contato harmonioso com a natureza, tudo isto são valores que a Comunidade de Vinhais Velho vê com tristeza agora serem ameaçados pelo capital, que vai trazer a realidade do trânsito intenso, da especulação imobiliária, devastando o seu entorno até a bem pouco tempo preservado.

A Comunidade de Vinhais Velho vai ser dividida e os mais antigos moradores vão ser apartados de seu convívio, rompendo laços formados  a muito tempo atrás, laços que possibilitaram que esta Joia dentro da cidade de São Luís  se conservasse preservada até hoje.

*Profa. Dra. do Depto. de História da UFMA e moradora do Recanto dos Vinhais

Vinhais Velho e Campanha pela Educação Pública: as duas lutas se abraçam

Igreja de São João Batista do Vinhais Velho acolhe Campanha Popular pela Educação Pública

As duas lutas se abraçam

O abraço de tod@s ao Vinhais Velho

Vinhais Velho e Campanha Popular da Educação Pública: as duas lutas se abraçam

[fotos: Zema Ribeiro]

Educação Pública de Qualidade: Lançamento de Campanha

Campanha pelo Direito Humano à Educação

Prezados Companheiros

Prezadas Companheiras:
Saudações!!!
Dia 16 de março de 2.012, em São Luís, na comunidade do Vinhais Velho/Bairro do Vinhais, das 08:00 às 12:00hs, será feito o lançamento da Campanha Estadual pelo Direito Humano à Educação Pública de Qualidade.
Como entidades e articulações da sociedade civil que estão, inicialmente, à frente desse processo estão:
– Cáritas Brasileira/Regional |Maranhão
– Fóruns e Redes de Cidadania do Maranhão
– Associação de Saúde da Periferia (AS)
– Rede de Intervenção em Políticas Públicas (RIPP)
– Sindicato dos Funcionários e Servidores Públicos Municipais de Belágua (Sinfesb)
– Sindicato dos Funcionários e Servidores Públicos Municipais de São Benedito do Rio Preto (Sinfesp)
– Organização de Combate às Injustiças Sociais de Santa Luzia (OCCIS).
Os péssimos índices apresentados pelo sistema educacional, tanto da competência dos municípios quanto do Estado, poderiam simplesmente justificar a realização dessa campanha.
Mas isso seria atacar somente os efeitos de um sistema educacional pensado, gerido e planejado para violar sistematicamente o conjunto de direitos que é obrigado a garantir.
Direitos violados em seu conjunto, atingindo cotidianamente crianças, adolescentes, jovens; pais, comunidade; profissionais da educação ( professores e demais funcionários), pondo em risco a vida, a integridade física e o futuro de brasileiros e brasileiras, quando não o futuro do próprio país.
Nas diversas jornadas feitas pelo Maranhão, percorrendo municípios, povoados e bairros, em qualquer parte ou região do Estado, verificamos o mesmo desrespeito, a mesma forma de gerir irresponsavelmente, a prática perniciosa da corrupção, malversação, quando não o desvio/apropriação puro e simples.
Quanto ao papel desempenhado pela sociedade civil, suas organizações e entidades, apesar de ainda muito timidamente, mas tem sido feito, controlando na medida do possível os recursos transferidos e a sua respectiva execução, havendo denúncias feitas em quase todos os municípios maranhenses de casos de violação desse direito.
No entanto, as autoridades maranhenses quase sempre são coniventes ou complacentes com esse desrespeito, com um Ministério Público omisso, não promovendo as investigações necessárias; quando resolve agir, promovendo as ações respectivas, as mesmas dormem nas gavetas judiciárias, não agindo o Ministério Público para dar celeridade ao processo.
Por conta dos inúmeras queixas, reclamações e denúncias por parte da sociedade civil, foi pensado na realização da campanha para dar um formato articulado e de conjunto a essas queixas, mostrando e demonstrando que se trata de uma violência institucional, pensada e gestada dentro dos órgãos do Estado, implicando diretamente as autoridades competentes, com a conivência dos órgãos de fiscalização, entre eles, Ministério Público, conselhos, Tribunal de Contas, etc.
As denúncias feitas mostram sem qualquer refutação de que a culpa pelo péssimo desempenho dos alunos não deve a eles ser atribuídas, mas sim às péssimas condições oferecidas pelo poder público para a efetivação do direito à educação.
Foram observadas nas jornadas feitas as seguintes violações:
a) Infraestrutura escolar péssima, insalubre quando não desumana, com escolas de taipa, palhoças, em alguns casos “chiqueiro de bode, local de dormida dos jumentos à noite), sem água potável na maioria dos casos;
b) ausência quase que completa de alimentação escolar, na maioria dos casos gêneros alimentícios industrializados, com conservantes impróprios para crianças, alimentos estragados, inadequados e insuficientes para o desenvolvimento da criança;
c) não garantia do salário dos profissionais da educação, com planos de carreira, aumentos anuais, e garantia dos demais direitos (adicionais, previdência, etc) – fato alarmante é que na maioria dos municípios, muito embora exista o desconto da contribuição previdenciária, a mesma não é repassada ao INSS. Fato mais grave quando o instituto previdenciário é municipal, cuja gestão é feita sem transparência, quase sempre usada para outros fins;
d) no Maranhão inteiro, muitas crianças todos os dias percorrem quilômetros a pé para chegar a escola, pois o transporte escolar não existe. Quando existe, são ônibus sem manutenção, vans de aliados políticos. Quando o transporte é próprio, não existe a menor inibição em usá-lo para uso particular, transportando aliados políticos para fins diversos, em prejuízos dos estudantes;
e) em várias localidades foram observadas turmas multisseriadas e regimes de três turnos, sem a menor condição de aprendizado, implantando somente como forma de reduzir custos, provocando a repetência, a evasão, o desânimo dos estudantes;
f) na maioria dos municípios, senão quase todos, falta total de transparência na aplicação dos recursos, com conselhos controlados pelos gestores municipais, com a inviabilização da participação social;
g) em todos os municípios maranhense foram feitas denúncias de perseguição, intimidação, ameaça, demissão e transferência de quem quer fazer a fiscalização, seja individual, seja coletiva, através principalmente de organização sindical, com perseguições das lideranças, emperramento dos processos judiciais, recusa em realizar o desconto da contribuição sindical, nos contracheques dos associados, como forma de dificultar o exercício da atividade sindical.
Diante dessas ocorrências, ficou deliberado no ano passado que esse ano seria o momento de pautar o direito à educação como ação principal da sociedade civil maranhense, nos seguintes termos:
– deve ser uma ação massiva, não só na sensibilização, mas na consequente manifestação pública;
– discutir com a sociedade sobre o parâmetro dos direitos humanos, que devem ser visto como um todo – interdependentes, articulados e como conjunto, em que um não pode existir sem o outro. Para o efetivo direito à educação é necessário a garantia do direito ao ensino, ao transporte escolar, a alimentação, ao salário digno e justo dos profissionais, à profissionalização, à fiscalização, etc.
– envolver todos os segmentos sociais, pois o direito à educação deve ser planejado, discutido e deliberado pela sociedade e não somente pelos gestores;
– mostrar e demonstrar que os recursos financeiros existentes, transferências constitucionais (obrigatórias e voluntárias) e recursos próprios, muito embora não estejam ainda no nível adequado ao desempenho da economia nacional, para a nossa realidade são capazes de atender todos os direitos acima elencados, capazes de propiciais escolas confortáveis,m alimentação saudável, salários dignos e transporte escolar seguro, entre outros;
Como objetivo central da campanha, após a sensibilização, mobilização e levantamento de dados, pensou-se, além do fortalecimento das entidades da sociedade civil e formação da consciência social sobre o direito à educação, despertar o senso de que as autoridades devem ser fiscalizadas e os recursos controlados, objetiva-se levantar o máximo de dados, com depoimentos, fotografia e filmagem, como material embasador de ações e representações, nas vias judiciais, administrativas e nas instâncias internacionais, mostrando a falta de responsabilidade do Estado do Maranhão para com a garantia de um direito humano fundamental.
Serão assim coletados, mapeados, analisados e acompanhados todos os casos de violação do direito humano à educação em todo o território maranhense, pois um dos objetivos é percorrer todos os 217 municípios em caravanas, recolhendo material, constituindo os núcleos locais responsáveis, fazendo mobilizações de rua, dando o máximo de visibilidade à violação desse direito, colocando o povo nas ruas em defesa do seu direito.
Em reunião preparatória, a coordenação do evento pensou as seguintes etapas para o desenvolvimento da campanha:
a) Fase de mobilização para o lançamento
– período: de 05 de fevereiro a 06 de março
b) Lançamento da Campanha:
– data: 16 de março de 2.012
c) Lançamento da campanha nos municípios:
– período: 19 a 31 de março de 2.012
d) Levantamento de dados e programação das caravanas municipais
– período: 02 de abril a 31 de maio
e) Relatório da campanha:
– período: 04 a 22 de junho
f) Apresentação do relatório:
– período: última semana de junho de 2.012
g) proposição das ações judiciais, representações administrativas e proposições aos órgãos internacionais:
– período: agosto-outubro de 2.012
h) formulação e apresentação de carta compromisso com a educação pública (aos candidatos a cargos eletivos – eleições 2.012)
– perído: setembro de 2.012
i) Mobilização popular em defesa da educação pública: IV Marcha contra a corrupção
– data: 07 de dezembro de 2.012
Após todas as ações pensadas, que serão submetidas a aprovação plenária no dia 16 de março, durante o lançamento da campanha, pretendemos encerrar o ano com uma grande marcha da cidadania maranhenses pelo direito à educação, mostrando para a sociedade e autoridades nacionais e representantes de organismos internacionais, a quantidade de recursos que são desviados no sistema educacional, provocando, por via de consequência e de forma intencional, a violação do direito à educação, causando como efeito os péssimos indicadores.
Esperamos com essa justificativa contar com a participação, colaboração e empenho de todos/todas, pessoas e instituições, para a defesa, promoção e pressão para a efetivação do direito humano à educação, com a adesão firme e corajosa na Campanha Estadual pelo Direito Humano à Educação Pública de Qualidade.
Esperamos também contar com a participação de representantes da sociedade civil do município, bem como dos municípios onde existem contatos.
Forte abraço
a Coordenação

Choro poliglota traduzido em “Língua Brasileira”

A música colorida da estreia de André Parisi 

POR RICARTE ALMEIDA SANTOS E ZEMA RIBEIRO 

Capa - André Parisi

Dois amigos, um chega ao escritório de trabalho pabulando de sua mais nova aquisição chorística. Coloca-o para tocar, gabando-se de sua recente descoberta e o outro imediatamente aprova a beleza anunciada pelo primeiro, que havia lido uma belíssima resenha do Tárik de Sousa na CartaCapital e, sem pestanejar, encomendou o disco pela internet, caminho cada vez mais natural hoje em dia, numa São Luís que padece da falta de lojas de discos e livrarias. 

Era Língua Brasileira, do jovem clarinetista André Parisi, disco independente lançado em 2011 e distribuído pela Tratore. Os dois amigos, também colegas de trabalho – parece óbvio e/ou redundante, mas são duas coisas diferentes, diga-se –, ficaram ali, no escritório, trabalhando e ouvindo o disco em som ambiente. Ao fim, play novamente e assim até a hora do almoço. 

“Surgiu o nome, a partir da ideia de que não falamos mais a língua portuguesa; e, na música, os lundus, maxixes e polcas também compõem uma nova linguagem músical, a língua brasileira”, explica Filosofando num boteco, curto texto no encarte do disco dando conta da urdidura do mesmo. Por ali também cabem baião, frevo e sambas, tocados em modo choro, tudo ali desde sempre, tudo soando tão novidade. 

Conclusões de ambos: fazia tempo que não ouviam um disco inédito e, ainda por cima, de um jovem músico, tão bom, tão arrebatador. 

Para o segundo, o primeiro tinha toda razão ao propagandear sua aquisição choro-fonográfica, de fato, um achado da “arqueologia musical contemporânea”, por tudo  que esse disco traz de extraordinário. Os dois amigos, o leitor já percebeu faz  tempo, eram os autores deste texto, postado quase simultaneamente em seus blogues. Mas voltemos à Língua Brasileira

Um repertório autoral e inédito, nos dando a sensação de grandes clássicos; daí ficar  bem clara, até aos ouvidos menos atentos, uma pegada moderna, de substância tradicional. Algo raro nos discos de música instrumental brasileira. Coisa que alguns até se arriscam a fazer, mas, ou caem no tradicionalismo repetitivo, sem nada de novo, ou escorregam num vanguardismo sem alma, sem substância,  até  com certo virtuosismo, mas sem tocar ou revelar a própria  identidade. Na maioria das vezes são acometidos, como diria Nelson Rodrigues, de uma síndrome de vira-latas, fuçando acordes em busca de ser algo que não são, ou exibindo-se como maratonistas, narizes empinados, as mãos capazes de tocar não-sei-quantas notas e/ou acordes por segundo. 

Clarinetista André Parisi

Definitivamente isso não é o que ocorre em Língua Brasileira. André Parisi, jovem e exímio clarinetista, mostra saber equacionar bem essa natureza da cultura brasileira em permanente e intensa transformação, apresentando- nos um disco com alma e idioma brasileiro, naquilo que ele tem de mais original, a multiculturalidade. Um disco de sonoridade límpida, quase transparente e ao mesmo tempo colorida. Lúdica. Lúcida. Lírica. 

A este par dá a impressão de um lindo vitral multicolorido em forma de música – mais precisamente de choro – no qual é possível perceber todas as cores, ou seria todas as sonoridades, tomando os ouvidos de agradável sensação e o coração de aprazível sentimentalidade. A música de André Parisi – ele assina todas as composições e arranjos – é mais colorida que a fotografia e design de Fernando Angulo, que emoldura o rapaz barbado e sua clarineta na capa, contracapa e encarte – ali onde aparecem Léo Nascimento (violão oito cordas), Dado (flauta e saxofone), André Kurchal (pandeiro), Júlio César (cavaquinho) e Marcos Cruz (violão sete cordas), regional que entra em campo sob o comando de nosso clarinetitular. Também falam a Língua Brasileira Osvaldinho da Cuíca (competência e beleza no instrumento que lhe dá sobrenome), Charlie Flesch (pandeiro), Felipe Soares (sanfona) e Ruy Weber (direção musical). 

Parisi e grupo 'Língua Brasileira'

Com o mérito que lhe confere o título informal de “embaixador do Choro no Maranhão”, um dos autores deste texto recebeu, da assessoria do artista, o disco, em sua residência. Muito justo! 

Neste domingo, às 9h, na Rádio Universidade FM,  ele compartilha com os ouvintes do Chorinhos e Chorões este Língua Brasileira. Certamente será um excelente programa, pelo talento apurado de quem fala e toca, sem constrangimento algum, a nossa pluralíssima  Língua Brasileira da Música, que também pode se chamar de Choro – ambos assim mesmo, em maiúsculas. E nesse território amplo, Parisi se revela um grande poliglota.

[Fotos: reprodução do My Space André Parisi]