Ser médico no Brasil é condição de poder.
Daí, toda a pressão e lobby das “organizações de corpo” contra a vinda de médicos estrangeiros para o Brasil.
Todos e todas sabem da negligência histórica, de décadas, séculos a fio, dos governos com a saúde pública neste país, uma realidade clara e concreta, insuportável.
Faltam postos de saúde, hospitais, mas também faltam médicos, medicina preventiva, enfim, falta uma política pública de saúde, efetivamente.
O quadro de miséria que se abate sobre o nosso povo, e eu falo do Maranhão, faz com que os mais empobrecidos e empobrecidas, principalmente mulheres e crianças, morram à míngua, jogados num quarto pobre, muitas das vezes insalubre de casebres de taipa ou de pau a pique, de palha, de chão batido, sem nem mesmo ter chance de chegar a um hospital; ou de um médico lhe fazer um visita, antecipando-se ao hospital.
Em um quadro como este não é sem motivos, no interior do Maranhão, que o “exercício da medicina”, tenha se transformado numa outra forma – e eu nem diria moderna, diria cruel, vil – de exercício do mandonismo, de “coronelismo”.
Na ausência de políticas públicas de saúde, na carência absoluta de nossa gente, como atestam os indicadores do PENUD/IPEA, ser médico no Maranhão é sinônimo de poder também político.
Não é coincidência o alto número de médicos que são ou que viram prefeitos de uma hora para outra.
E nem assim, nos municípios onde estes atuam, o quadro da saúde é menos ruim. Quase sempre essa situação – médicos prefeitos – anda aliançada com a corrupção e com a negligência com a saúde pública. Prefeitos podres (mas podres mesmo) de ricos e povo desassistido.
Acredito que o debate, aberto com advento do “Mais Médicos”, enseja uma reflexão profunda na escola de medicina, sobre o natureza da formação dos nossos profissionais da saúde, sobretudo, na universidade pública, paga com o suado dinheiro do povo brasileiro, inclusive, dos mais pobres, que, aliás, é quem paga imposto no Brasil, portanto, é quem paga a conta.
Fazer da medicina um mero negócio ou um canal para o mandonismo político nas cidades do interior, parece ter sido a “receita do sucesso” dos profissionais da medicina. É claro que têm exceções. Conheço muitas delas. Falo do geral, do que predomina. A gente não vive pelas exceções!
Ser arrogantes, tratar os pacientes com descaso, receitar sem nem mesmo olhar o rosto dos pacientes, não cumprir os horários nos consultórios, usar dedos de silicone pra registrar presença em falsos plantões, fraudes outras, incontáveis, ao erário público também tem sido práticas muito recorrentes.
Não me lembro de pronunciamento, de campanhas zelosas do CRM contra a corrupção na saúde, contra as distorções médicas, em favor da medicina pública, acessível, enfim… Por onde andavam os “republicanos” CRM’s ?
Precisamos de uma formação médica direcionada para a vida, para o ser humano.
Em um estado como o Maranhão já seria a ‘salvação da lavoura’ de nossa gente. A medicina preventiva, o médico da família já reduziriam em muito as filas nos hospitais, a número de ambulâncias para os maiores centros.
Me parece que a preocupação maior é com o espírito de porco, digo, de corpo e menos com a vida, com a pessoa.
Que faltam hospitais, faltam; que faltam postos de saúde, faltam; que faltam equipamentos, faltam. Mas os médicos são formados não são para hospitais, são para as pessoas.
Com menos corrupção, com mais médicos, os hospitais, os equipamentos seriam uma consequência. O que o governo federal sinaliza não é tudo, está longe do ideal, do que a sociedade precisa, mas pode apontar um caminho em vista de uma política pública de saúde. O quadro da saúde pública e do sistema de saúde, do exercício da medicina, está estrangulado. Algo teria que ser feito.
O”Mais Médicos” ainda parece ser pouco diante do muito que historicamente nos foi e é negado, mas pode ser o ponto de partida para enfrentar uma situação que, sob o ponto de vista da medicina, é endêmica, na medida que é uma doença de natureza da formação; sob o ponto de vista sociológico, é estrutural e estruturante, na medida em que tem servido para a concentração de poder político e riquezas, acentuando, de maneira vil, a miséria e a desigualdade.