Um bom papo com Maranhão: MPM em questão





Há uns quatro anos publiquei um pequeno texto, no jornal Diário da Manhã – De Zeca Baleiro a Bruno Batista…ainda bem que eu não ouvi todos os discos -, comentando sobre o lançamento do primeiro cd do compositor e cantor Bruno Batista.

A idéia era relacionar a proposta musical do jovem compositor, então como uma grata novidade, com a velha celeuma da dita MPM, de modo a melhor compreendê-la a partir também dos parâmetros da produção musical no Maranhão.

Agora, que o Bruno retorna aos estúdios para a gravação do seu segundo disco, resolvi relembrar de um belo debate que o texto suscitou meio que despretenciosamente naquela momento.

Pois não é que o grande compositor, um dos mais geniais do Brasil, o nosso Chico Maranhão, do alto da sua experiência e vivência musical entre os grandes artistas, resolveu responder. Publicou n’O Estado do Maranhão, o artigo “MPM em discussão”, onde o cara bota os pingos nos is, a partir de algumas questões que eu levantava no meu humilde escrito.

Claro que foi uma grande satisfação participar dessa conversa com o grande Chico. Ter merecido sua especial atenção em tão oportuna temática, a nossa rica música popular, da qual Ele é um mestre.

Segue abaixo os dois artigos. Espero que possam contribuir para novas reflexões, debates, enfim.

Posteriormente eu publiquei no Jornal Pequeno, suplemento Guesa Errante – já postado aqui neste espaço – , um outro artigo, “Da MPM ao Som do Mará, enquanto não cai o véu…” indo um pouco mais além, que dá continuidade ao debate sobre a nossa música e seus artífices.

De Zeca Baleiro a Bruno Batista…ainda bem que “eu não ouvi todos os discos”

Por Ricarte Almeida Santos*

Já faz uns cinco anos que recebi do então estudante de comunicação social, Hamilton Oliveira, um pequeno artigo de sua autoria, cujo título era “Adeus “MPM”! Salve o Compositor Popular Brasileiro”. Hoje Hamilton é jornalista, pós-graduado em História da Cultura e músico. Naquela ocasião, em seu belo texto de estudante, Hamilton levantava uma discussão que agora a meu ver ganha cores, ou melhor, ganha sons reais em novos discos e novos artistas que têm surgido por estas bandas daqui. Hamilton afirmava categoricamente que “no caso do Maranhão, o rótulo criado por certos artistas, produtores e comunicadores para vender a nossa música, só contribuiu para esconder a sua verdadeira natureza” .

De fato, durante “bons” anos se buscou rotular a produção musical do Maranhão pela sigla MPM. Ainda que tenha sido com a melhor das boas intenções, de demarcar um espaço para o Maranhão no cenário nacional e, assim, abrir mercado para o reconhecimento dos nossos artistas da música, ainda assim não se pode deixar de fazer o mea culpa e reconhecer o equívoco da estratégia. Basta lembrar as várias safras de grandes talentos, entre compositores e intérpretes, que o Maranhão produziu nos anos 70, 80 e 90, sem, no entanto, ocupar espaço nacionalmente, como fizeram os mineiros, os cearenses e os baianos. E não foi por falta de tentativas, nem por falta de talento e muito menos de matéria prima.

Contratos foram assinados com médias e grandes gravadoras de distribuição nacional e, quase sempre, acabaram em grandes frustrações; foram três décadas de intensa produção musical; além do quê, o Maranhão em matéria de cultura popular é tão rico e diverso como nenhum outro Estado brasileiro.

Negros vindos de diferentes cantos da África, diferentes povos indígenas que aqui viviam, o toque europeu do colonizador. Portugueses, franceses e holandeses, além da contribuição árabe também marcante por aqui. Tudo isso é Maranhão. Agora imagine todas essas matrizes em quatro séculos de sincretismo cultural, musical, religioso e, ainda, recebendo e promovendo novos contatos com outras culturas, novas informações. É, porque esse processo não parou no tempo. A mistura que ajudou a constituir a nossa cultura continua acontecendo e em rítimo cada vez mais intenso.

Portanto, não dá pra reduzir a produção musical do Maranhão a uma sigla, a uma receita de sucesso, como se tentou . E aí eu retomo novamente o texto do estudante Hamilton quando afirma que “o termo MPM não comporta a totalidade da identidade cultural expressa em manifestações que incorporam elementos da cultura européia, indígena brasileira e africana(…)” e de tantas outras culturas que vieram depois.

Zeca Baleiro desde quando cantava pelos festivais universitários e pelos bares da Ilha, deixava claro que não se encaixava nesse modelo. Pois é justamente Ele (Zeca) e Rita Ribeiro que primeiro rompem com a bolsa d’água da MPM e são paridos para o Brasil inteiro. E quando nascem os dois balançam com as estruturas da dita “música popular maranhense”. Faltou terra nos pés.

Bom, de lá pra cá, num andamento bem mais cadenciado, novos nomes têm surgido e já desobrigados de vestir a camisa de força com a sigla no peito. Se não em grande quantidade, como fora antes, mas em originalidade . É, parece que novos ventos começam a soprar nesta direção, sacudindo poeira , desordenando tudo e liberando a moçada pra fazer música, simplesmente música, com qualidade e com as informações e recursos que se têm hoje.

Assim é o disco de Bruno Batista, 23 anos, compositor e intérprete de suas próprias criações, pelo menos nesse seu primeiro CD, que acaba de sair. Bruno traz dez faixas, numa produção independente, que alia com bastante equilíbrio boa poesia, na qual não esconde boa dose de melancolia e leves pitadas de acidez e bom humor, com informações musicais consistentes, que revelam a diversidade das influências do jovem artista. Baião, samba, cordel, música erudita, evidenciam as digitais de Luís Gonzaga, Chico Buarque , Cartola, Josias Sobrinho, Edu Lobo, Zeca Baleiro, Chico César, Zé da Luz, César Teixiera e tantos outros na poesia e na música de Bruno Batista.

Tudo isso sem falar no canto meio que descompromissado e leve que imprime a suas interpretações, conferindo-lhe um certo despojamento, e nos arranjos refinados do maestro carioca Alberto Farah, que garantem a roupagem instrumental necessária e um ótimo resultado, para ser ouvido e apreciado em qualquer parte do Brasil e do mundo.

De Zeca Baleiro a Bruno Batista, um intervalo perigoso para arriscar qualquer opinião a respeito da música feita no Maranhão fora da receita da MPM. Mas isso não é privilégio só de Baleiro, nem de Rita, nem de Bruno Batista, nem de Cláudio Lima. Isso já faziam seu Antônio Vieira, Josias Sobrinho, Chico Maranhão, Joãozinho Ribeiro, Cristovão Alô Brasil, César Teixeira, Seu Bibi, Dilu e tantos outros que por aqui produziram a verdadeira Música Brasileira. Bom, se ficou alguém de fora desta lista, como de certo deve ter ficado, justifico pelo título da música do Bruno Batista. É porque “eu não ouvi todos os discos”.

*Ricarte Almeida Santos, é Radialista(DRT/MA1120) e Sociólogo(DRT/MA 56), produtor e apresentador do programa Chorinhos e Chorões . E-mail: ricochoro@hotmail.com

[publicado originalmente em 23/05/2004 no jornal Diário da Manhã]

MPM em discussão

CHICO MARANHÃO*

Sempre foi observado, pelo o grupo mais antigo de artistas da área da música em nossa cidade, ou seja, grupo da geração de 1970 pra cá, a necessidade de se produzir textos que refletissem aspectos conformadores da nossa produção musical. Recordo-me bem, naqueles tempos em que andávamos em bando pelo “Baixo Loblom”, de inúmeras vezes apontarmos entre os amigos, os de formação jornalística, que pudessem cumprir esta função; produzir artigos jornalísticos sobre nosso cotidiano musical. Cristiano, irmão do compositor Ronaldo Mota, era um deles, e a meu ver, quem deveria encabeçar este aspecto era Valdelino Cécio, sim o velho Valdi, simplesmente por ter maior conhecimento de causa de nossa musicalidade e outras afinidades. Entretanto, isto nunca veio a acontecer como pensávamos e o motivo é muito simples: não se cria uma critica (líteromusical) sobre um movimento sem que ele primeiro exista de fato e tenha bases reais para reflexão. É preciso estrutura, desenvolvimento, “estrada” – na linguagem musical, produção consistente, guarnecida por um mercado sólido entre outras coisas. Então, nossos desejos não se realizavam. Afora reconhecidos esforços de jornalistas/radialistas como Pedro Sobrinho que numa rara e feliz oportunidade no sentido em que nós queríamos, se referiu a voz do compositor que ora escreve estas linhas, quando de um de seus novos discos, nada ou quase nada apareceu nas páginas dos matutinos, a não ser notícias de eventos e ou entrevistas que no máximo expressavam apenas pontos de vistas do artista, porém nunca análises mais consistentes como desejávamos. E sempre tivemos muito cabedal para tanto entre os nossos.

Estas primeiras linhas são a propósito de uma recente conversa muito parecida com as antigas. Conversava com João Pedro Borges sobre um texto intitulado “De Zeca Baleiro a Bruno Batista… ainda bem que ‘eu não ouvi todos os discos”’, do radialista Ricarte Almeida Santos. O texto de Ricarte é exatamente o que desejávamos naqueles tempos: um texto analítico crítico de nossa música fustigando situações e refletindo sobre.

Baseado no artigo de um estudante de comunicação social, Hamilton Oliveira, intitulado “Adeus “MPM”! Salve o Compositor Popular Brasileiro”, Ricarte comenta sobre a nossa adoção ao rótulo MPM – Música Popular Maranhense, que segundo Hamilton “só contribuiu para esconder a sua (dela, da música maranhense) verdadeira natureza”. O texto é simples, inteligente como convém a um estudioso e trata de um aspecto dos mais complexos de nossa produção musical; ou melhor ainda, dos modos ou estratégias, de nossa inserção no mercado fonográfico da música brasileira, e basicamente faz uma crítica de nossa adoção à sigla MPM e como isto representou um fiasco dado que o sentido de regionalização fechou possibilidades causando danos irreparáveis. Afora naturalmente uma aparente desconecção com a realidade dos fatos, que torna o texto um tanto superficial, no geral é bem urdido para quem está do outro lado do balcão.

Então, revendo a questão com esta oportunidade façamos hoje o que deveríamos ter feito ontem. Uma questão como esta, que no fundo significa fazer uma manifestação artística alcançar espaços cada vez maiores nos grupos sociais envolvidos, os aspectos são inúmeros. Portanto consideremos apenas alguns destes como por exemplo os produzidos pelo fato da condição periférica em nossa cidade em relação aos centros produtores da MPB. Isto é um fato preponderante na nossa produção, portanto, a adoção da sigla MPM que aqui não estou defendendo, mas apenas discutindo, se não mais tem razão de ser teve seu momento de importância quando aglutinadora de idéias, contribuindo na consciência de uma poesia musical comprometida com a realidade maranhense. Isto, evidentemente, não é lá muito aceito pelos teóricos do sul brasileiro que se esquecem de que Jobim, por exemplo só cantou Rio de Janeiro e você jamais encontrará na música dele uma pulsação boeira, por exemplo.

Ora, por outro lado, é preciso compreender o que significava para nós compositores, a sigla MPM. Isto nunca foi discutido (nem sabemos quem criou esta sigla), mas nós percebíamos muito bem: MPM é um conjunto de ações ou de atividades que, interrelacionadas mutualmente produzem caminhos, rotas, direções, objetivos e tantas outras variações de resultados que nossa música precisa para se conformar. Inclua-se aí também, e naturalmente, a parte do receptador, o ouvinte, o consumidor do produto, o grupo social e cultural a que esta música se destinava. Era nosso interesse a condição evolutiva desse grupo em nossa cidade – lembrem-se de nossas propostas laborartianas. Isto, é evidente na MPM. Senão, ouçam nossos textos cantados – como melhor prefiro chamar nossa música – vide a obra de Sergio Habibe só para dar um exemplo. Naquele momento, a afirmação da nossa identidade era mais importante, e a música popular um veículo significativo, embora naquela época, inconsciente. Tornando-me então mais explícito, quero dizer que MPM é um conjunto de agentes, ou possibilidades com qualidades e características específicas atuando para um mesmo fim: a construção e a afirmação de uma canção maranhense moderna. Isto continha um enorme peso estimulador criador na época. Demos a cara pra bater e ascendemos a fogueira que ainda hoje se vê a brasa arder. Éramos muito jovens e necessitávamos responder às ressonâncias que pairavam nos céus do país. Desta forma, qualquer análise sobre esta sigla MPM tornar-se-á vã se não tivermos clareza desses aspectos mórficos históricos de sua “adoção”.

Mas, é oportuno, e a propósito deste contexto (MPM), que anunciamos aos quatro ventos em forte e bom som, duas produções recentíssimas da nossa música maranhense. Pela ordem de chegada: Cezar Teixeira e Rosa Reis. De Cezar duas palavras apenas basta: Cezar no seu primeiro disco, reduz a música (tenha ela a sigla que tiver) ao extremo zero do conceito musical na busca da originalidade, e nesta tentativa de desconstrução tão revoltante como grandiosa constrói um Brasil verdadeiro que ninguém pode contestar. É tão óbvio, tão óbvio, que eu vejo o Jô Soares, admirado, surpreso e parcimonioso, olhando para o Cezar sorrindo, e este engolido por aquele sofá de pelúcia dizendo: – Que que tem se eu como na lata? E será muito engraçado quanto majestoso quando ele disser: – Taquí, Brasil, um disco feito por mim. Será esse um objetivo da MPM? Sabemos, e é fato de longa data, que para tocar disco na rádio precisa de “jabá”, como se a música não fosse uma flor que brota nos corações, e fico pensando donde vai sair esse “jabá” para tocar o Cezar? Sim porque um CD é feito pra tocar e as pessoas ouvirem, e quem não respeita esta regrinha não nos respeita no todo. É esse um dos aspectos mais cruciais da MPM que sinalizei acima. Se isso não acontece a MPM não existe. O “jabá” deve sair da alma maranhense.

Outra forma é encarar a desgastada e terrivelmente humilhante “maquiagem”e “lobbies”extra fronteiras maranhense, já inteligentemente referidos pelo próprio Cezar em recente entrevista nesta cidade. A coisa não é complicada, os interesses é que a fazem complicada. É isto, meu caro Ricarte, a MPM: um disco fenomenal dentro de um baú de lixo trancado com o cadeado dos medíocres. Executam-se todos os lixos e o disco(lixo) não. Pensávamos em nosso tempo resolver este problema sendo da mesma cidade. A estratégia era ser do mesmo bairro, da mesma região, às vezes até do mesmo lar, lar-bor-arte, debaixo da mesma ponte (do disco do Cezar). Num primeiro e curto momento isto funcionou. A Rádio Mirante, por exemplo se formara “para tocar música maranhense” ouvia-se isso em nosso meio. E era um grande estímulo. A Rádio Universitária tem história parecida e sobrou um só programa de música maranhense. Isto é tudo.

Em minha modesta maneira de ver acho que a solução seria termos uma gravadora em São Luis, ou seja, alguém que se interessasse pela produção musical e desenvolvesse o mercado já fecundado. A cidade cresceu e precisa crescer este aspecto. Leia-se aí uma estrutura fonográfica. Bom, o Cezar precisa ser tocado, como fazer? A mesma coisa com o disco da Rosa Reis. Música Popular Maranhense pura. Este, considero o melhor disco de todos os tempos produzido em São Luís. Em nosso movimento musical não vejo similar, além de mostrar uma qualidade inusitada, embora de maneira nenhuma surpreendente, de Rosa Reis: sua própria composição. O convívio de Rosa com dona Teté, Felipe e outros mulatos criativos que trabalham no Laborarte deu frutos e Rosa mostra o quanto é capaz com esse seu “Cheiro de Alecrim”. Neste disco, vejo resolvido o impasse da música popular maranhense em termos de sonoridade, tenha ela a sigla que tiver. Isto é uma conquista nossa de perseverante e duro trabalho. E um atenuante, ambos “Shopping Brasil” de Cezar Teixeira e “Alecrim Cheiroso” de Rosa Reis são produções do Laborarte. O que mais se pode dizer para quem tem roupa na fonte é ouvir os discos, que depois a gente conversa pelas esquinas desta velha cidade-mãe.

*Cantor e compositor
[publicado n’O Estado do Maranhão em 18/07/2004]
[fontes das fotos: Chico Maranhão, Aniceto Neto; Silhueta Bruno Batista, http://www.myspace.com/]

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